sexta-feira, setembro 29, 2006

Berzoini



Por Renato Rovai [27/9/2006]

Éramos quatro na entrevista com José Dirceu. O ainda deputado estava em meio a um furacão que o levaria à cassação dos direitos eleitorais. Ao final da entrevista, sabíamos que carregávamos uma fita com frases fortes e análises polêmicas. Publicada a conversa, uma pequena nota na coluna de Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, fez com que o jornal O Estado de S. Paulo repercutisse o trabalho da Fórum no dia seguinte. Em manchete de capa, nossa entrevista tinha destaque com o seguinte título: “Dirceu diz que o governo acabou”.

Não, ele não havia dito essa frase e, a nosso ver, nem insinuado essa interpretação. Havia listado uma série de pessoas que tombaram em meio à disputa política e afirmava que a oposição mirava Lula e que ia derrotando quem encontrasse no caminho para conseguir o impeachment e o fim do governo. E dizia ser um dos que precisavam cair para que Lula, o alvo de fato, fosse atingido. Mas o título estava lá, bonitão. Ou seja, como até o então todo-poderoso José Dirceu admitia que o governo havia acabado, então entendia-se que era assim mesmo.

Mas o governo de Lula não acabou naquele título e pelo que parece, a se confirmarem as pesquisas, deve durar ainda um bom tempo. Registre-se: a matéria estava boa. A repórter que a assinou fez trabalho justo e sério. Mas o título da capa era torto... tortinho.

Em respeito ao leitor do Estado e à correção jornalística, esse que assina fez uma carta e enviou ao jornal. O texto dizia: “O ex-deputado José Dirceu não disse em qualquer momento da entrevista citada hoje pelo Estado de S. Paulo que o governo acabou. Nem eu e nem os outros jornalistas que realizaram a matéria concordam com a interpretação do jornal. Seria justo registrar essa nossa observação na seção adequada”. Nunca foi publicado.

O demônio agora é Berzoini

Mas o que importa neste momento é analisar o massacre midiático imposto ao presidente do PT, Ricardo Berzoini. Ele já foi dado como culpado pelos veículos comerciais, até porque teria sido responsabilizado por Lula. Nova mentira.

Na entrevista que concedeu a rádios populares de grandes cidades, Lula disse: “Tem muita gente que se casa e, um ano depois percebe que a mulher não era a que queria, embora o namoro tenha durado dez anos. Assim é a vida humana. (...). No caso do pessoal que cuidava da pseudo-inteligência de minha campanha, nem fui eu que escolhi. Quem escolheu foi o presidente do partido.”

Ou seja, Lula disse que nem foi ele que teria escolhido mal as pessoas, mas que teria sido Berzoini. Daí pode-se inferir que Berzoini teria escolhido mal os assessores. Ou fazendo a transposição ipsis literis para a metáfora de Lula, que Berzoini, mesmo conhecendo há tanto tempo os tais assessores, foi só descobrir agora que não eram aquilo que pensava ou, mais precisamente, percebeu depois de casar que “não era a mulher que queria”.

Mas, imaginemos, que a frase de Lula tivesse de fato endereço certo, o de responsabilizar o atual presidente do PT pela construção da operação à là Organizações Tabajara (aliás, foi na Fórum, ainda março deste ano, na ocasião da quebra de sigilo dos caseiros, que se comparou pela primeira vez em um artigo o PT à empresa símbolo do Casseta e Planeta). A obrigação jornalística neste caso era, no mínimo, registrar a mudança de discurso do candidato-presidente, já que na entrevista dado por Lula ao Bom Dia Brasil, da TV Globo, no dia seguinte à sua volta de Nova York e em meio ao turbilhão da crise, sem meias-palavras, inocentou o presidente do PT: “Nem todos que foram afastados tiveram relação com essa história do dossiê. O Berzoini mesmo só foi afastado porque ele não teria como coordenar minha campanha se tivesse que passar todo o tempo respondendo sobre essa história do dossiê.”

Neste mesmo dia, à tarde, assumia a coordenação geral da campanha de Lula Marco Aurélio Garcia, um dos históricos amigos e assessores do presidente. Ele fez questão de dizer que não só confiava em Berzoini como votaria nele para deputado federal em 1º de outubro. Será que diria isso sem ter conversando antes sobre o tema com o presidente da República? Diria se imaginasse que Berzoini era culpado na dita operação dossiê? Não teria Marco Aurélio informação alguma a respeito das investigações? O que teria acontecido, então, para que Lula houvesse mudado de opinião, imaginando ser verdadeira a interpretação midiática de sua declaração.

É possível que nas investigações apareçam elementos que comprometam o presidente do PT no episódio? É possível, claro, e se isso vier a acontecer deve ser condenado pelos crimes praticados. E seria de bom tom que o PT o afastasse da vida pública. Mas, até agora, ele tem preferido o “silêncio militante”, como fez seu antecessor, José Genoino. Avalia que se vier a dizer qualquer coisa, suas declarações só serão usadas para confundir o processo eleitoral e prejudicar a candidatura de Lula. Prefere dificultar sua reeleição a deputado federal a ser “usado” pela mídia contra o projeto de reeleição do presidente.

Mas e se as investigações vierem a confirmar sua inocência no episódio? E se todos os envolvidos negarem sua participação e toda a investigação (quebra de sigilos telefônicos e bancários, por exemplo) não o comprometerem?

Nesse caso, a defesa de uma certa mídia estará pronta. Teria sido o próprio Lula quem responsabilizou Berzoini na entrevista às rádios populares. Lula não disse isso. Mas não importa, está lá nos jornais a interpretação forçada e leviana. Está lá o salvo-conduto para justificar a condenação antecipada.

O crime, o pecado, não é ser picareta, safado, comprador de dossiê, sanguessuga ou coisa que o valha. O pecado capital é ser petista e apoiar Lula. Quanto mais ser presidente do PT e coordenador da campanha do presidente à reeleição. Se fosse Marco Aurélio Garcia, faria um acordo com todos os santos, porque a essa hora ele já está na fila para aparecer em programas de TV como chefe de organização criminosa. O nome disso é fascismo midiático.

Nenhum comentário: