quarta-feira, setembro 06, 2006

Os professores negros sumiram da fotografia

ELIO GASPARI 06/09/2006

Os professores negros sumiram da fotografia


O professor americano Jerry Dávila, da Universidade da Carolina do Norte, escreveu um livro que permite uma visita às políticas de ações negativas que afastaram os negros do andar de cima do sistema educacional brasileiro. É "Diploma de Brancura: Raça e política social no Brasil, 1917-1945" ("Diploma of Whiteness", publicado em 2003, infelizmente inédito em português). No início do século XX havia um número razoável de professores negros na rede de ensino municipal do Rio de Janeiro. Dez anos depois, sumiram.

Argumenta-se contra as ações afirmativas com base no critério de mérito: o negro tem acesso a tudo, desde que tenha capacidade. Dávila captou um momento curioso na história da meritocracia pedagógica nacional. Um capítulo do seu livro chama-se "O que aconteceu aos professores de cor?" Ele achou a pergunta num arquivo excêntrico, o acervo de 15 mil imagens de Augusto Malta, fotografo oficial da prefeitura da cidade. Contratado por Pereira Passos, Malta trabalhou de 1900 a 1936. Registrava obras, cerimônias e paisagens. Dávila separou cerca de 400 fotografias de escolas, salas de aula e grupos de professores. Resulta que antes de 1920 cerca de 15% dos professores fotografados eram "de cor", no dialeto da época, afrodescendentes no de hoje. Muitos deles estavam em escolas vocacionais. Era negro o diretor da escola municipal que formava professores. Depois de 1939 a percentagem cai para 2%. Há registros esparsos e superficiais da ocorrência desse mesmo fenômeno em Campinas e Pelotas, onde algumas professoras viraram costureiras. (É possível que o arquivo de Malta guarde outra surpresa: podem ter sumido também os jornalistas negros.)

Os mestres negros dos anos 20 foram substituídos por professoras brancas. Dez anos depois surgiu o Instituto de Educação, a gloriosa escola normal do Rio. Era uma instituição modelo, onde as alunas passavam por um duro exame de qualificação intelectual e médico. Havia até cursinhos preparatórios para normalistas. Exigia-se um custoso enxoval, com luvas brancas. Uma filha de ferroviário só conseguiu comprar os uniformes porque sua família cotizou-se. Dávila esclarece: não há indício de normas destinadas a excluir deliberadamente os negros, havia apenas o sonho de fabricar uma "fina flor" de educadores.

Continuando sua pesquisa nos acervos fotográficos, Dávila foi ao álbum de formatura das normalistas de 1942. De 171 professoras diplomadas, só 12 (7%) eram afrodescendentes. Conseguira-se o branqueamento dos diplomas. Foi um processo elitista, racional e bibliograficamente sofisticado. Fernando de Azevedo, secretário de Educação do Distrito Federal de 1926 a 1930, acreditava que "sem a criação de elites capazes de guiá-las, a educação das massas populares resultará num movimento na direção da pior demagogia".

"As massas", sempre, são os outros. É a velha demofobia. Se não fizerem o que eu digo, a choldra descerá dos morros e destruirá nosso paraíso tropical. Os negros dirão que são negros. Professoras brancas, com luvas brancas, prometiam um quadro melhor que o das fotografias dos professores enfatiotados de Augusto Malta. As normalistas trabalharam duro, mas o estado atual do sistema escolar nacional indica muitas coisas, uma delas é o fracasso da política de ações negativas. Tirar o negro da fotografia não resolve o problema.

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