segunda-feira, outubro 23, 2006

"Dança no Gelo" era o que faltava para deixar o domingo ainda pior

Márcio Alemão

Acredito que deva ter sido no final dos anos 60 e início dos 70. Ir ao "Holiday on Ice" era um dos programas obrigatórios da família. O Salão da Criança também. E desse eu gostava, adorava.

Os patinadores, francamente falando, me aborreciam. Lembro de minha inquietude nas arquibancadas. Não era coisa pra moleque.

No Ginásio do Ibirapuera valia a pena assistir ao Circo de Moscou com seus danados ursos que andavam de motocicleta. Se eu fosse dono de uma empresa de entregas/motoboy, certamente a chamaria de Circo de Moscou. Também tínhamos o circo Orlando Orfei. Do número das águas dançantes, uma fonte comandada pelo próprio Orlando, uma espécie de DJ das águas, eu não gostava. Por certo me lembrava dos patinadores.

Quase 30 anos depois, em 93, decido levar minha filha de 4 anos ao "Holiday on Ice", no mesmo Ibirapuera. Menos submissa do que éramos com nossos pais, revoltou-se após dois ou três rodopios e tivemos que ir embora. Nem tentei dissuadi-la. E também não nego que fiquei bastante orgulhoso da criança: puxara ao pai!

E sendo o assunto desta coluna a TV, é evidente que irei chegar à Dança do Gelo. Um sucesso. Melhor ainda as cenas dos ensaios. Encontraram um meio de ampliar o bloco das video-cassetadas, que, tendo a presença de celebridades, ficou ainda mais interessante.

Pelos motivos já expostos, pelo trauma adquirido com as muitas idas ao "Holiday on Ice", não gosto do quadro. Mas não foram poucas as vezes que me vi olhando para tela da TV e lá estava algum célebre cidadão a patinar.

Também foram muitas as vezes que me vi olhando para Os Trapalhões, para o sorriso de Silvio Santos e sonhando com a possibilidade de um decreto mundial banir do universo o domingo e seu desepero. O domingo e sua carga de prostração, de depressão, de conformismo.

Jamais conseguirei passar um domingo diante da TV e ir para a cama com um enorme sorriso nos lábios, ansioso pela chegada da segunda-feira, para ir correndo comentar com os colegas da firma sobre a performance corajosa de Lucimara Parisi ou sobre a injustiça que o público cometeu com Claudia Ohana.

O domingo não tem solução simples e nem aparente. Torná-lo melhor, na TV, é como afirmar que existe solução para a fome e para violência no mundo.

Ainda que eu seja acusado de maluco, afirmo que jamais conseguiremos nos ver livres de faustões e gugus e seus silvios ou de trapalhões de mau gosto em pânico. Uma possível versão do inferno: todo dia é domingo. Todo dia é domingo à tarde e todos os condenados se prostram diante de uma TV gigante, PIP, com todos os programas passando ao mesmo tempo. E no dia seguinte não existe a segunda-feira. É sempre domingo e sempre domigo à tarde. E no final da noite, na grande tela, a frase dita por Lucimara Parisi aparece em letras gigantescas: "Ouse, pois quem não ousa, não vive."


Márcio Alemão é publicitário, roteirista, colunista de gastronomia da revista Carta Capital, síndico de seu prédio, pai, filho e esposo exemplar.

FONTE: Terra

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