segunda-feira, outubro 30, 2006

Depois das cotas, os cursinhos para escola pública

Segunda, 30 de outubro de 2006, 08h00
Milton Hatoum


I

Já sabemos quem foi eleito presidente do Brasil. Não sabemos quem será seu Ministro da Educação. Na última crônica (2 de outubro), comentei a importância de se priorizar a qualidade do ensino público no País. Penso que esse tema é uma obsessão da maioria dos brasileiros. Mais do que um tema, a educação pública é uma questão que diz respeito à sobrevivência da nação. Distribuição de renda e educação com qualidade são questões inseparáveis, e delas depende nossa passagem para o futuro. Nem é preciso insistir na situação precária do ensino público, nos salários vergonhosos dos professores, no abandono e na repetência de inúmeros estudantes, na violência nas escolas. Para um jovem pobre e ás vezes sem amparo da família, freqüentar uma escola, estudar e ter uma boa formação profissional é muito mais do que um ato heróico: é um milagre.

Como não sou economista, prefiro evitar sugestões aventureiras ou duvidosas sobre a distribuição de renda. Mas como lecionei durante quinze anos numa universidade pública, e estudei e me formei também em escolas públicas, talvez possa dar uma sugestão modesta para democratizar o acesso às instituições de ensino superior.

II

O sistema de cotas para negros pode aumentar o número de negros nas universidades públicas de qualidade. No entanto, como declarou o professor e antropólogo Kabengele Munanga à revista do Instituto de Estudos Avançados (USP):

"As cotas são uma medida provisória, para acelerar o processo. No entanto, julgo que não somente os negros, mas também os brancos pobres têm o direito às cotas. Se as cotas forem adotadas, devem ser cruzados critérios econômicos com critérios étnicos. Porque meus filhos não precisam de cotas, assim como outros negros da classe média".

O que de fato deve ser implementado é uma política educacional que combine qualidade de ensino com salários dignos. E isso não apenas para negros, e sim para todos os pobres. Minha sugestão é que sejam criados cursinhos de excelência para os jovens da escola pública que vão prestar o exame vestibular. Isso já existe em São Paulo, no Rio e em outras cidades, mas são experiências pontuais. Por que não implantar cursinhos de qualidade em dezenas, talvez centenas de cidades brasileiras? Claro que tal medida exigiria planejamento e recursos. E, acima de tudo, decisão política. Penso que seria uma medida eficaz para acelerar o processo mencionado pelo professor Munanga. Os municípios poderiam usar o espaço físico das escolas existentes; poderiam fazer um acordo com o governo federal para pagar um bom salário aos professores. Em poucos anos, o contingente de jovens pobres nas universidades públicas certamente aumentaria.

III

A periferia não pode mais esperar, pois é o retrato mais cabal de uma sociedade segregada. Já que prefeitos e governadores não se empenham em pagar bons salários aos educadores, o governo federal pode criar mecanismos de compensação que permitam o ingresso dos jovens pobres na universidade pública.

Os Pontos de Cultura e o PROUNI são experiências que têm dado certo. Não seria o caso de pensar num PROVESTIBULAR para a periferia do Brasil? Seria pedir muito? Será que o assassinato de mais de 40 mil jovens (a imensa maioria de pobres e negros) por ano não justifica uma política educacional mais ousada?

Milton Hatoum é escritor, autor dos romances Dois Irmãos, Relato de um Certo Oriente e Cinzas do Norte.

Fale com Milton Hatoum: milton.hatoum@terra.com.br
FONTE: Terra

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