sexta-feira, outubro 13, 2006

Folha de S. Paulo: porta-voz da ala progressista do tucanato

A Folha de S. Paulo, supostamente porta-voz da ala progressista do tucanato, publicou hoje dois artigos criticando a reeleição de Lula.

Um dos artigos é assinado por Otávio Frias Filho, um dos proprietários da Folha. Intitulado “Anistia para Lula”, o artigo diz ser “evidente que a decisão do eleitor será soberana (...) Mas se o veredicto for esse [a eleição de Lula], dispensando o segundo turno, a afoiteza do eleitor terá prejudicado a qualidade democrática desta eleição”.

E por qual motivo o eleitor estaria sendo “afoito”? Porque, segundo Frias, a eleição no primeiro turno impede o debate programático, que “só existe (...) no segundo turno”.

Ao contrário do que diz Frias, o “debate programático” vem acontecendo há muitos anos e se acentuou durante o governo Lula. A Folha sempre teve lado neste debate, o lado dos tucanos. Já a maioria do povo brasileiro está, hoje, do outro lado.

Frias e a maioria dos colunistas políticos não se conformam com isto e apelam para a desqualificação do povo, do voto e dos motivos que explicam o apoio da maioria do eleitorado para Lula.

Frias reconhece que “a população mais carente tem boas razões para estar satisfeita”. É exatamente a partir desta experiência, mas também da experiência dos últimos 26 anos (pelo menos), que o povo brasileiro vem participando e tomando partido no debate programático sobre os rumos do país.

É claro que para o diretor de redação da Folha, a experiência vivida pelo povo, a partir do qual vem formando sua opinião política, está longe do rigor exigido de um “debate programático”. É por razões semelhantes que Marco Antonio Rocha, colunista de O Estado de S. Paulo, afirmou que “até agora, e até onde é do conhecimento do comum dos mortais, não ficou nada clara qual é, de fato, a diferença entre os principais candidatos a presidente da República”.

Não ficou clara para quem, cara pálida?

A impressão que passa é que Rocha e Frias, como estão perdendo a eleição e também o debate programático, começam a apelar para uma espécie de autismo intelectual: “Lula não apresentou seu programa até agora”, “nenhum dos presidenciáveis têm programa”, “todos os programas são iguais”.

Frias chega a dizer que Lula, “no governo, traiu quase todas as idéias-feitas que pregava nas duas décadas anteriores”. Suponhamos que isto fosse verdade e que Lula estaria parodiando o FHC do “esqueçam o que eu escrevi”. Por qual motivo, então, toda a direita, o grande capital e os grandes meios de comunicação apoiaram a reeleição de FHC, enquanto hoje estão na sua esmagadora maioria contra a reeleição de Lula?

É evidente que, por mais que possam ter havido modificações (e elas ocorreram) nas posições de Lula e do PT, isso não alterou as posições básicas (de classe, políticas, ideológicas) que ambos ocupam na sociedade brasileira, em contraposição a partidos como o PSDB e PFL.

O preocupante, na argumentação de Frias, é que a lógica de seus argumentos o conduz para o golpismo. Vejamos o que ele diz: a “reeleição do atual presidente, se de fato ocorrer”, terá um “significado sinistro”, pois “a mais alta corte do país, o próprio povo, terá anistiado o escândalo do mensalão”.

O cenário pós-vitória de Lula é resumido assim por Frias: “um presidente macunaímico, que se orgulha da própria falta de estudo, seria reconduzido sem trauma nem esforço. O partido que lhe serviu de alavanca, o PT, pode não sair destroçado das urnas, mas será um fantasma do que já foi. Políticos sem doutrina, a maioria, farão fila para apoiar um chefe de governo novamente forte”.

Neste contexto, Frias acredita que a proposta de Constituinte para fazer uma reforma política poderia resultar na prorrogação do mandato de Lula, no direito à uma nova reeleição e – palavras de Frias— na determinação de que só poderiam concorrer candidatos ‘progressistas”.

Trata-se de algo tão delirante, que Frias mesmo reconhece que “estamos longe de ver essas fantasias se concretizarem. Mas não custa alertar”.

Outro que resolveu “alertar os incautos” é Augusto de Franco, que foi coordenador-geral do Primeiro Congresso do PT (1991) e depois virou tucano de carteirinha.

Segundo este senhor, em artigo igualmente publicado na Folha de S. Paulo de 24 de agosto, “se a reeleição vier, ela (...) será o passo inicial para uma tentativa de mudança autoritária das regras do jogo político (...) as bases de uma hegemonia neopopulista de longa duração no país”. Mais: “se consagrado pelas urnas com votação expressiva, Lula e sua tropa atropelarão aliados, adversários e instituições, falando diretamente para as massas”.

Entretanto, diz Augusto de Franco, para que se possa consumar a “mudança autoritária das regras do jogo”, “algumas coisas ‘extraordinárias’ deverão acontecer”: “a descoberta de corrupção em larga escala nos Parlamentos e as ações terroristas praticadas pelo PCC”, fatos “que deverão ser ‘produzidos’ para causar uma certa comoção na opinião pública, manipulando-a para levá-la a aceitar a adoção daquelas medidas regressivas capazes de permitir a implantação da fórmula lulista”.

Leiam novamente: este senhor acusa o PT de conspiração. A nós interessaria “produzir” as ações do PCC e inclusive a “descoberta” de corrupção em larga escala nos Parlamentos, para assim desmoralizar as instituições e implantar o medo na sociedade!!!

Augusto encerra seu artigo dizendo que “a despeito do fato de essa fórmula já estar sendo parcialmente implementada, transformando 2006 em uma ante-sala de 2010 (...) é claro que ela pode não dar certo, sobretudo se encontrar resistência. Mas a insistência em aplicá-la levará o Brasil a uma crise institucional sem precedentes”.

Para bom entendedor, meia-palavra basta: tanto Frias quanto Franco estão apresentando argumentos que, se forem tomados a sério, justificariam o golpismo contra Lula. Afinal, seria um governo que conspira contra a democracia.

Para os que acham que esta conclusão é exagerada, lembro das recentes declarações de FHC, que lamentou não existir no Brasil de hoje alguém como Carlos Lacerda, "com capacidade de dramatizar e cobrar", "alguém que dê nome aos bois e arrisque".

Vamos atender ao pedido de FHC e dar nome aos bois: Carlos Lacerda foi um golpista. Aliás, sua trajetória lembra em parte a de Fernando Henrique: ambos foram de esquerda, passaram para a direita e tornaram-se golpistas. A diferença é que FHC, até agora pelo menos, só fala. Lacerda agia. Ajudou a dar o golpe contra Vargas, em 1954; trabalhou pelo golpe contra JK, em 1955; e ajudou a dar o golpe contra Jango, em 1964.

Quem quiser conhecer em detalhes a biografia de Carlos Lacerda, vá ao endereço http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/2684_1.asp

Lacerda era muito conhecido por suas frases de efeito. Em 1955, disse na televisão que "Juscelino não será candidato; se for candidato, não será eleito; se for eleito, não tomará posse; se tomar posse, não governará". A UDN, partido de Lacerda, tentou impugnar a vitória de JK nas eleições de 1955, usando como argumento que Juscelino recebera o voto dos comunistas.

Por “coincidência”, já há tucanos e pefelistas importantes questionando a legitimidade da vitória de Lula, utilizando como argumento qualquer coisa: sua ausência no debate da Bandeirantes, denúncias de corrupção e até mesmo seu apoio nos setores populares, que seria produto de “ações populistas” de governo.

FHC e Frias se deixam trair pelas palavras. O primeiro confessou que está buscando alguém que “arrisque” uma atitude golpista. O segundo diz que a reeleição de Lula seria “sinistra”, palavra que em italiano quer dizer exatamente “esquerda”.

Este é o problema da direita brasileira: sua alma golpista não se conforma que a esquerda governe o Brasil. Muito menos que consolide uma “hegemonia de longa duração”.

É exatamente isto que está em jogo, não apenas na reeleição de Lula, mas principalmente no curso do segundo mandato: a constituição das bases institucionais, sociais, econômicas, políticas e culturais de uma hegemonia democrática e popular de longa duração. Que passa pela disputa dos chamados “setores médios” e pela constituição de uma “opinião pública” de esquerda.

Um pedaço da direita brasileira acredita que uma derrota em 2006, especialmente se acontecer já no primeiro turno, pode ser a ante-sala de uma nova derrota em 2010. Daí a tentação e a retórica golpista. Com o perdão da blague, ainda “estamos longe de ver essas fantasias se concretizarem. Mas não custa alertar”. Especialmente num dia 24 de agosto, data do suicídio de Getúlio.

Valter Pomar
Secretário de relações internacionais do PT

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