sexta-feira, outubro 06, 2006

O filho bastardo de FHC

O filho bastardo de FHC
Por Marcus Batista*

Depois de superar 20 anos de censura, é óbvio que a imprensa brasileira criou mecanismos capazes de driblar a informação deturpada, a fonte com interesses escusos e até o oficialismo. Contudo, a mídia transmite às vezes a sensação de que está se lambuzando por ter comido melado demais.

O saldo desse comportamento são dois pesos e duas medidas. Em 1989, o então candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, perdeu a eleição por diversos fatores. Entre eles, debate mal editado na televisão e também uma filha, chamada Lurian, que era desconhecida do eleitor, embora tenha sido assumida pelo pai. Até aparecia em seus dados pessoais na Câmara dos Deputados.

Na eleição de 1994, um dos boatos fortes dentro das redações era o filho do candidato Fernando Henrique Cardoso. E não era Paulo Henrique, mas Tomás Schmidit. O garoto, hoje com oito anos, era fruto de uma rápida relação entre o futuro presidente da República e a jornalista da Rede Globo Mirian Dutra, em 1992.

As redações sabiam da existência da criança. Muitos repórteres chegaram a ver os pais dela na noite de Brasília. Ao saber da gravidez, o senador Fernando Henrique Cardoso expulsou a jornalista de seu gabinete. Mirian Dutra foi mandada para a Europa, onde trabalha até hoje para a mesma emissora. Até Dona Ruth, a tráida, se exilou em Nova York. Entre as razões, livrar-se dos estilhaços de um possível escândalo.

Mais uma prova de que a informação provavelmente pipocava nas redações era o fato de Alberico Souza Cruz, todo-poderoso do jornalismo da Globo, ter virado padrinho do menino.

Toda essa história chegou ao conhecimento do público apenas em abril desse ano, após duas eleições. E por meio de uma grande reportagem (o adjetivo não se refere somente ao tamanho!) feita pela revista Caros Amigos. Essa publicação, de penetração razoável entre os formadores de opinião, foi verificar os motivos que levaram a mídia nacional a esconder o caso extra-conjugal de FHC.

Os argumentos foram variados: desconhecimento do assunto, impedimentos editoriais e informações desencontradas. No entanto, o que mais choca é a alegação puramente jornalística: o assunto não é público. E mais: não tinha quem fizesse a denúncia.

Então, qual é a diferença para o caso Lurian, furo do jornalista Luiz Maklouf, na ocasião repórter do Jornal do Brasil? Não havia denunciantes. O repórter fioi atrás da história e a publicou.

Não pretendo discutir se filhos fora do casamento na vida de um político é assunto público ou privado. Quero debater porque a imprensa se comportou de maneiras distintas. Ou o fato do próprio FHC não acreditar em Deus, motivo que o levou a perder a eleição para a prefeitura de São Paulo, era mais relevante?

A omissão dos jornalistas fica mais escandalosa quando notarmos que foram complacentes com o governo Fernando Henrique em sua primeira gestão. A euforia em torno do Plano Real, a baixa inflação, a abertura para o capital externo, ítens que ocuparam páginas e páginas de análises.

Por outro lado, escândalos e corrupções entre os escalões do governo federal passaram em branco ou não foram investigados a fundo pelos mesmos coleguinhas. Um exemplo: a compra de votos para a emenda da reeleição. Ao invés de recuperar o furo – mérito da Folha de São Paulo -, muitos jornais e revistas abriram discussão em torno da obtenção das informações. Conversas gravadas devem ser publicadas? E corrupção entre deputados federais, não?

Só agora, no segundo mandato, quando a política econômica saiu descaradamente dos trilhos, a mídia apontou a metralhadora para o governo.

Não sei se o assunto não virou notícia por pressões empresariais, sejam elas econômicas e/ou políticas. Pelo andar da carruagem, parece que sim. Contudo, pior é não reconhecê-las.

Entristece-me ainda mais a imprensa sustentar a posição autoritária e comprometora no caso do filho do presidente. Embora a matéria tenha chegado às bancas há um mês, nenhum jornal, revista, rádio ou TV repercutiu o assunto.

O filho bastardo, sem registro paterno na certidão de nascimento, vive com a mãe em Barcelona aparentemente protegido da sordidez política. O sociólogo – que pediu que esquecêssemos o que escreveu – permanece intocável. A imprensa, por sua vez, se encarrega de esquecer das atitudes do presidente. Por quê?

*Marcus Batista é jornalista.