sexta-feira, dezembro 07, 2007

OS AGRO-COMBUSTIVEIS

Nos últimos meses estamos assistindo uma verdadeira ofensiva das grandes empresas, do capital internacional e financeiro em todo mundo e na imprensa, difundindo a idéia e realizando volumosos investimentos para produção do que eles chamam “bio-combustíveis”. Porque está ocorrendo isso agora e quais suas conseqüências para a agricultura camponesa.

Durante a realização do FORUM MUNDIAL DE SOBERANIA ALIMENTAR em Mali, África (março de 2007) os representantes de centenas de movimentos sociais do campo, ambientalistas, cientistas, pescadores, pastores e movimentos de mulheres, acordamos de que não deveríamos usar o termo “biodiesel ou biocombustível”, porque o prefixo bio está sendo usado de forma manipulada. Os combustíveis de origem vegetal não podem ser chamados de bio. Senão todos os seres vivos teriam que usar também o prefixo Bio. Por isso, acordamos que todos os movimentos da via campesina internacional e os ambientalistas deveríamos passar a chamar apenas agro-combustíveis, como a expressão mais correta dos combustíveis produzidos na agricultura.

Os agro-combustíveis se dividem em três grupos fundamentais:

A-Os combustíveis originários da sacarose/açucares vegetais, do qual resultam diversos tipos de álcool, e em especial o etanol que é o tipo específico para gerar combustão num motor. Pode-se produzir etanol da cana de açúcar, mandioca, milho, batata doce, etc. O grau de conversão desse tipo de agro-combustível é de 30/100. Ou seja, para produzir 100 litros de etanol, vamos gastar 30 litros de alguma outra energia, seja de petróleo, ou do próprio etanol.

B - O segundo grupo são os combustíveis originários dos óleos vegetais, que podem mover motores. É o caso dos óleos vegetais originários dos grãos da soja, amendoim, girassol, ou de das sementes de plantas como a mamona, tungue, pinhão-manso e a palma africana. O grau de conversão desse tipo de combustível é de 3 a 15 por 100 litros.

C - E há um terceiro grupo, que seria o metanol, uma espécie de álcool combustível que pode ser retirado da madeira, de resíduos de lenha e dos resíduos da celulose. O grau de conversão desse tipo de combustível é de apenas 50 por 100.

As técnicas para produzir combustíveis de origem vegetal e sua utilização em motores são conhecidas desde o século XIX. O próprio inventor do motor a combustão, o cientista Rudolf Diesel, fez suas primeiras experiências em 1893 com óleos vegetais. Somente depois foi utilizado o petróleo para mover seu invento. E daí surgiu o nome motor diesel, movido a petróleo.

Por que então o interesse atual pela produção de agro-combustíveis?

Por duas razões fundamentais. As reservas do petróleo estão chegando ao fim, e o seu preço tende a aumentar cada vez mais, ultrapassando a barreira dos 80 dólares ao barril, inviabilizando o transporte individual e reduzindo as taxas de lucros das empresas petrolíferas e das empresas automobilísticas. Segunda razão, é que há um clamor de toda humanidade, diante das denúncias dos cientistas, de que o planeta está aquecendo perigosamente, e que o aumento de 2 a 4 graus no aquecimento vai alterar todo sistema do clima, de chuvas e da produção agrícola, afetando a saúde das pessoas e colocando em risco várias espécies, inclusive a sobrevivência humana.

Diante disso, e com o objetivo claro de manter suas taxas de lucro, aconteceu uma aliança diabólica entre três setores do capital internacional: as empresas automobilísticas, as petrolíferas e as empresas transnacionais que atuam no agro. E desse casamento, surgiu a proposta de expandir de forma rápida a produção de agro-combustíveis para substituir o petróleo, sem afetar o sistema de transporte individual e mantendo suas taxas de lucro.

No entanto, o álcool (etanol) e os óleos vegetais não são outra coisa do que o resultado da energia solar condensada, pela foto-síntese, que sofre uma mutação química, que lhe dá a energia suficiente para depois na combustão mover os motores. Por tanto, a necessidade básica para produzir em larga escala os agro-combustíveis é a existência dos três fatores em abundância: terra, água e sol.

Assim, esses capitais se voltaram imediatamente para o hemisfério sul, em especial aqueles próximos aos trópicos e com abundância de terras, para induzí-los a produzirem etanol e óleos para exportar para os países desenvolvidos do hemisfério norte. E foram aos paises do sul, levando a proposta de se produzir rapidamente esses agro-combustíveis, seja da cana, da palma africana, da soja ou girassol, baseados num modo capitalista de produzir. Ou seja, em grandes fazendas que possam usar o monocultivo em larga escala, com técnicas de mecanização e uso intensivo de agrotóxicos, não lhes importando as conseqüências para os trabalhadores ou para o meio ambiente. Nesses últimos meses, o governo Bush e o Governo Lula saíram mundo a fora, mas em especial nos países do sul, propagandeando a necessidade de se produzir agro-combustíveis, para exportar para os Estados Unidos e Europa, como se isso fosse a solução para a pobreza dos camponeses e dos países do hemisfério sul. E por outro lado, diversos grupos empresariais imperialistas, ligados àquela aliança, como a Cargill, Monsanto, Bungue, e outros grupos de investidores especulativos, entre eles George Soros, migraram para diversos países do sul, comprando terras, usinas e começando a construir alcoodutos, para controlar esse mercado de produção e exportar os agro-combustíveis para o norte.

Quais as conseqüências imediatas que esse tipo de produção trará e já está trazendo para a agricultura do sul?

1 Primeira: Com a possibilidade de ganharam muito dinheiro oferecido pelas empresas compradoras do norte, os fazendeiros capitalistas passaram a comprar terras e expandir os monocultivos de cana, soja, girassol, palma africana, etc. Isso está trazendo uma enorme concentração da propriedade da terra sob controle de grandes fazendeiros e empresas, e em alguns casos, como do Brasil, inclusive a desnacionalização da propriedade da terra, com a compra da terra por empresas estrangeiras.

2 Segunda conseqüência: Em muitos países essa expansão de área cultivada por agro-combustíveis substituiu áreas dedicadas a alimentos e também ao gado leiteiro.

3 Terceira conseqüência: é que, ao elevar a taxa de lucro da produção de etanol, elevou-se a taxa de lucro para todos os produtos agrícolas. Com isso aumentou os preços dos produtos alimentícios, que toda população pobre precisa comprar, e também se elevou o preço das terras, inviabilizando investimentos dos pequenos agricultores ou estimulando-os a venderem suas terras, por “preços bons” para seus vizinhos fazendeiros.

4 Quarto: Em relação ao meio ambiente, essa forma de produzir em monocultivo e baseados em agrotóxicos, vai afetar duramente o ambiente, destruindo a biodiversidade existente, afetando o regime de chuvas, e inclusive ajudando o aquecimento climático. Pois todo monocultivo, ao destruir a biodiversidade contribui para o desequilíbrio e para o aquecimento global.

5 E, ainda, no caso do uso intensivo de venenos (agrotóxicos) não degradáveis, esses venenos irão destruir os micro-organismos da terra, irão contaminar as águas do lençol freático e finalmente se alojarão nos produtos a serem produzidos. No caso especifico do Brasil, as empresas fabricantes de agrotóxicos comemoram a expansão dos agro-combustíveis e prevêm a duplicação do consumo de venenos nos próximos três anos. O que levará o país a se transformar no maior consumidor mundial de agrotóxicos até o ano de 2010.

Assim, a produção de agro-combustíveis na forma de grandes fazendas capitalistas monocultoras irá trazer ainda maiores problemas ambientais pros países produtores.

Mas há outras alternativas para enfrentar o problema da substituição do petróleo e o aquecimento global?

Por certo que haveria muitas e diferentes maneiras.

Primeiro, temos que repensar o sistema de transporte nas cidades e substituir o transporte individual pelo coletivo. Pois o simples funcionamento dos motores já causa aquecimento e altera a situação das cidades, independente do combustível que estejam usando. Há possibilidades de diminuir em mais de 30% o consumo de energia, apenas com medidas educativas.

E finalmente poderíamos ter outras fontes de energia renováveis da natureza, como a energia dos ventos, das ondas e do sol. Ou mesmo na melhor utilização do gás originário da fermentação do esterco dos animais, que é totalmente desperdiçado. Na produção do butanol, que é outro sistema mais eficiente produzido com açucares. E uma melhor utilização dos óleos vegetais. No entanto, essas alternativas não são debatidas, porque certamente não garantiriam o lucro das grandes empresas.

Em relação à produção dos agro-combustíveis pelos camponeses, devemos debater em nossas bases e com nossos movimentos, para construir linhas políticas que orientem uma produção que esteja dentro dos princípios da soberania alimentar e da soberania energética. Isso significa dizer que toda produção agrícola de um país, de um povo, deve nortear-se em primeiro lugar, por garantir a produção e o consumo de alimentos saudáveis, para todos. E que a produção de agro-combustíveis esteja sempre em segundo lugar, de forma secundária. E voltada para as necessidades energéticas de cada comunidade e povo. E nunca, produzir para exportação.

Respeitando esses princípios poderíamos pensar em novos métodos de produção de agro-combustíveis, que de fato não agredissem o meio ambiente, que não substituíssem os alimentos, ao mesmo tempo pudesse representar aumento de renda para os camponeses e uma soberania na energia que utilizam.

Assim, poderíamos definir que os agro-combustíveis somente pudessem ser produzidos na forma de policultura, de várias origens complementares (cana, girassol, mamona, etc.) respeitando a biodiversidade e aproveitando-se as terras menos férteis. Utilizar apenas 20% de cada unidade de produção para os agro-combustíveis. Jamais usar agrotóxicos. E produzir os combustíveis em unidades fabris de pequena e media escala, de propriedade cooperativa. E instaladas nas comunidades rurais, povoados e pequenas cidades, de maneira que cada município, povoado e cidade produzissem sob forma cooperativa sua própria energia necessária.

Ao mesmo tempo, a nível nacional, os governos devem ter uma regulamentação estatal rigorosa, para controlar e administrar essa produção e distribuição de acordo com os interesses do povo, sem agressão ao meio ambiente, e jamais voltada ao mercado externo.

Temas para debater em seu movimento e país:

1. Como está a ofensiva do capital internacional para produzir agro-combustíveis em seu País? E que conseqüências sócio-econômico-ambientais tem trazido para os camponeses?

2. Como construir uma política para produção dos agro-combustíveis que interesse ao povo, respeite ao meio-ambiente e preserve a forma camponesa de produzir e viver?

Que medidas devemos tomar a nível nacional e internacional para evitar os efeitos perversos da ofensiva do capital, e garantir os interesses de nossos povos?


FONTE: Gab Dionilso Marcon


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