sábado, janeiro 26, 2008

O DRAGÃO DE SAGAN

por Rodrigo Constantino 26.01, 12h53

"Toda a nossa ciência, comparada com a realidade, é primitiva e infantil – e, no entanto, é a coisa mais preciosa que temos." (Albert Einstein)

Qual seria a reação esperada das pessoas se alguém afirmasse ter um dragão invisível que cospe fogo em sua garagem? Foi uma das questões que Carl Sagan levantou no seu esplêndido livro O Mundo Assombrado Pelos Demônios, no qual derruba com ótimos argumentos diversas crendices comuns. Logo de cara, podemos esperar que nos peçam para mostrar o tal dragão. Mas ocorre que ele é invisível. Podem então sugerir que farinha seja espalhada no chão, para detectar suas pegadas. Mas acontece que o dragão flutua no ar. Um sensor infravermelho pode então ser usado para detectar o fogo que ele cospe. Mas o problema é que o fogo é desprovido de calor. Uma tinta talvez possa ser borrifada para torná-lo visível. Infelizmente, o dragão é incorpóreo. E assim por diante. Qualquer ferramenta científica de nosso conhecimento é reiteradamente descartada como viável para provar a existência do dragão.

Carl Sagan então pergunta: "Ora, qual a diferença entre um dragão invisível, incorpóreo, flutuante, que cospe fogo atérmico, e um dragão inexistente? Se não há como refutar a minha afirmação, se nenhum experimento concebível vale contra ela, o que significa dizer que o meu dragão existe?". A incapacidade de invalidar sua hipótese não é, de forma alguma, a mesma coisa que provar sua veracidade. No fundo, pedir para acreditar no relato da existência do dragão é o mesmo que pedir, na total ausência de evidências concretas, para acreditar na palavra de quem afirma isso. Com certeza passaria pela cabeça da maioria das pessoas a mais provável explicação de que a mente do sujeito em questão criou o dragão, talvez por um sonho que pareça real ou mesmo uma alucinação, mais comum nos seres humanos do que muitos gostariam de admitir. E não seria nada correto da parte de quem afirma a existência do dragão, ficar ofendido com os demais, apenas porque apresentaram o veredicto de "não comprovado".

O livro de Sagan trata de inúmeros casos de crenças totalmente desprovidas de evidências, e o autor sempre levanta questões incômodas para os mais crédulos, mostrando que explicações mais prosaicas são também as mais prováveis. A mente humana é falível, e pode criar muitas armadilhas para seus donos. O desejo de crer pode tornar árdua a tarefa de questionar, exigir evidências, adotar uma postura mais cética. Por isso o rigor científico é um método tão diferente, infinitamente mais seguro que a simples fé. As emoções podem pregar peças no cérebro, ainda mais se este não estiver preparado e acostumado com a postura cética e o método científico de busca da verdade.

Por ter sido um professor de astronomia entendido do assunto, muitos perguntavam para Sagan se ele acreditava em vida inteligente extraterrestre. Sua resposta era sempre com os argumentos padrões, de que há muitos lugares no espaço, as moléculas de vida estão por toda parte etc. Logo, ele ficaria surpreso se não houvesse inteligência extraterrestre, mas garantia que "ainda não há absolutamente nenhuma evidência convincente de que ela existe". Muitos não ficavam satisfeitos, e insistiam no que ele realmente achava. Mas era isso o que ele realmente achava. Até que alguém questionou qual era sua opinião visceral. A resposta merece ser citada na íntegra:

"Mas eu tento não pensar com as minhas vísceras. Se levo a sério minha tentativa de compreender o mundo, pensar com algum órgão que não seja o meu cérebro, por mais tentador que possa ser, provavelmente complicará a minha vida. Na verdade, é correto guardar a opinião para quando houver evidências."

Devemos manter sempre a mente aberta, é claro. Tal como os pára-quedas, elas só funcionam bem desta maneira. Mas como o engenheiro espacial James Oberg certa vez disse, ela não pode ficar tão aberta a ponto de o cérebro cair para fora. O que isso quer dizer é que devemos sempre estar dispostos a mudar de opinião, mas somente quando autorizados por novas evidências, que devem ser fortes. "Nem todas as afirmações têm igual mérito", lembra Sagan. Alguém que afirma algo somente calcado em sua fé, seu desejo de acreditar, não está no mesmo direito de exigir respeito do que aquele que apresenta boas evidências. Como exemplo, podemos comparar um criacionista com um evolucionista. O primeiro depende apenas de sua fé, nada mais. O último, conta com diversas evidências absolutamente concretas.

Um relato deve sempre ser analisado sob a ótica do ceticismo. Ele, por si só, não prova nada. Qualquer investigador, detetive ou juiz sabe disso. Se isso serve para qualquer relato, imagine para relatos de acontecimentos totalmente incomuns, como supostos milagres, raptos por alienígenas, homens andando por cima da água, duendes, aparições de santos, visita de íncubos, parto de uma virgem etc., ainda mais transmitidos por terceiros e separados por séculos, quando não milênios, em línguas arcaicas! Acreditar nesses "relatos" exige muita vontade de crer mesmo. No caso da visão de OVNIs, por exemplo, o psicanalista Carl Gustav Jung considerava ser uma espécie de projeção do inconsciente. Sobre aqueles que aceitam os testemunhos incomuns literalmente, ele observou: "Essas pessoas não só têm insuficiência de pensamento crítico, mas também desconhecem as noções mais elementares da psicologia. No fundo, não querem aprender nada, mas simplesmente continuar a acreditar – sem dúvida a mais ingênua das presunções, em vista de nossas falhas humanas".

Muitos fogem da pesada carga do ceticismo. As crenças, mesmo que estapafúrdias, podem confortar de imediato. Sagan explica: "A pseudociência fala às necessidades emocionais poderosas que a ciência freqüentemente deixa de satisfazer". Seria fantástico se de fato pudéssemos, como nas histórias infantis, satisfazer os desejos de nosso coração pelo simples ato de desejar. Mas a realidade não é assim, e a ciência é a melhor ferramenta para tentarmos compreender esta realidade. "A ciência prospera com seus erros, eliminando-os um a um", diz Sagan. As conclusões falsas são tiradas, e as hipóteses são formuladas de modo a poderem ser refutadas. A pseudociência é exatamente o oposto. As hipóteses "são formuladas de modo a se tornar invulneráveis a qualquer experimento que ofereça uma perspectiva de refutação, para que em princípio não possam ser invalidadas". Faz-se oposição ao escrutínio cético, e logo se alega que há uma conspiração contra as "teses" da pseudociência. Impostores, aliás, costumam adorar teorias conspiratórias.

A sabedoria humana está em compreender as nossas limitações. Por isso o rigor cético e austero da ciência é tão importante. A ciência não é infalível, mas é o melhor instrumento que temos. O que fica além dela, podemos humildemente chamar de ignorância, sem necessitarmos de outros nomes que apenas confundem. Não ter todas as respostas é o que nos motiva a buscá-las. A ciência verdadeira está aberta a todas as questões, aos assuntos mais delicados que existem. Ela deve ignorar os apelos à autoridade, focando somente nas evidências. A diversidade e o debate são estimulados. O mecanismo de correção dos erros é o que garante sua constante evolução. Idéias que não funcionam devem ser descartadas, eis a regra dura, mas justa. Os prêmios mais valorizados costumam ser aqueles que refutam crenças estabelecidas, pois a falibilidade humana é reconhecida. Tudo isso é contrário à postura típica da pseudociência ou das religiões. Carl Sagan afirma: "A ciência é um meio de desmascarar aqueles que apenas fingem conhecer; é um baluarte contra o misticismo, contra a superstição, contra a religião mal aplicada a assuntos que não lhe dizem respeito".

Ciência é também um modo de pensar, um método crítico. Diante do relato do dragão na garagem – ou de alguém que multiplicou pães, andou na água, curou doenças com um toque, levitou, voltou dos mortos, foi abduzido por ETs, descobriu os poderes dos cristais etc., restam basicamente duas posturas: confiar na esquisitice e crer cegamente, ou exigir as evidências. É provável que, escolhendo a segunda alternativa, você acabe tachado de chato. Mas com certeza é o único caminho razoável para se chegar à verdade. Caso contrário, considere-se convidado para vir conhecer o Dragão de Sagan, que curiosamente também habita em minha garagem.

FONTE: Veja aqui

2 comentários:

Anônimo disse...

Muitoo bom o blog! Assuntos bem diversificados! Gostei!

Pra mim que estou entrando no curso de licenciatura em física na UFRGS é de muito valor cada postagem tua!

Grande abraço!

alexandre disse...

não acredito que somos visitados por alienigenas, a única coisa que acredito de sobrenatural é o ser infinito que causou o big bang (Deus)
Se é possivel uma virgem engravidar com enseminação artificial porquê Deus não poderia fazer o msemo?!
Eu sou partidario da evolução teísa a acredito que a criação intencional do universo é uma idéia plausivel posso ter entendido mau o principio antropico mas um criador para o universo é uma boa explicação para este principio