A Justiça em xeque
Germano dos Santos Leite *
Ao iniciar estes breves comentários, penso em inúmeras frases de efeito que possam ilustrar os fatos e causar o necessário impacto, proporcional à indignação que senti ontem (6), quando do julgamento de mérito do habeas corpus do banqueiro Daniel Dantas no STF. Lembrei, por exemplo, de famoso discurso de Rui Barbosa no Senado, que fala da frustração humana perante as injustiças. Mas optei mesmo por uma declaração mais recente, proferida por um digno ministro daquela Corte, Joaquim Barbosa, e endereçada ao "Supremo" presidente Gilmar Mendes (GM): "Isso é jeitinho, ministro Gilmar!".
Apesar de curta, a frase sintetiza um pouco do que a população brasileira tem visto na mais alta Corte deste país, em nome de interesses muito mais poderosos do que sequer ousamos imaginar. O julgamento de ontem, no qual os colegas de GM ratificariam ou não as duas liminares deferidas pelo presidente do STF, decidiria em sua essência muito mais do que apenas a liberdade do banqueiro. Informaria até que ponto nossa Justiça é igual para todos. Frente a esta importância medular, faço desde já um parênteses, adiantando minha estranheza pelo fato do apagado - quase nulo - interesse da mídia nacional pelo caso.
Quem teve o desprazer de ver o teatro montado na quinta-feira em Brasília, assistiu também a um estratagema no qual o que menos se discutiu foi a conduta supostamente ilícita do acusado, e o que se destacou foi a execração pública de um corajoso juiz federal - Fausto De Sanctis -, que passou de denunciante de um mega-esquema que cumula inúmeros tipos penais a acusado. Da mesma forma, um dia antes, o delegado federal Protógenes Queiroz, que comandou a operação Satiagraha, sofreu devassa da sua própria PF.
Além de confirmarem a controvertida decisão do "chefe" através de uma fundamentação no mínimo "escolhida a dedo", que não se sustenta, segundo inúmeros juristas de renome, os pares de GM foram além, desferindo impropérios contra o "pequeno" juiz de primeira instância, chamando-o de "insolente", e "exigindo" (na palavra de um agitado ministro Cezar Peluso) que De Sanctis seja penalizado por ter mandado prender Dantas (o banqueiro que vangloriou-se de ter "facilidades" no STF) pela segunda vez.
Não pretendo aqui descer a minúcias técnicas, pois não é o escopo deste espaço, leigo, mas se faz necessário lembrar que GM mandou soltar DD às pressas, deferindo a liminar em habeas corpus durante a madrugada, em uma apreciação jurisdicional de uma rapidez poucas vezes vista em nosso Judiciário, e afastando uma súmula (nº 691, do STF) que, via de regra, vincula decisões em casos semelhantes. No entanto, em total contraste, no julgamento desta semana os ministros executaram o "linchamento" do juiz de primeiro grau, alegando ser "inadmissível" um juiz federal julgar contra a jurisprudência (que, tecnicamente, é menos vinculante do que uma súmula).
A perseguição aparentemente orquestrada contra os investigadores e julgadores destes rumorosos casos, que mexem com os principais poderes deste país - inclui-se aí a imprensa - não pode prosseguir, sob pena de, conforme prognosticaram os ministros Marco Aurélio e Ayres Britto (únicos a erguerem a voz contra essa "caça aos bruxos" - ressaltando que Joaquim Barbosa estava fora do país), levar ao cerceamento e constrangimento de milhares de excelentes magistrados Brasil afora, que se veriam limitados em sua prerrogativa de julgar conforme o livre convencimento motivado.
Ainda neste mês, o juiz De Sanctis - agora acuado - deve sentenciar o caso Daniel Dantas. Neste país de desigualdades, torçamos para que, até lá, o banqueiro seja flagrado surrupiando frutas ou um tablete de manteiga em algum mercadinho. Assim, talvez, a possibilidade de uma condenação seja mais crível.
* Administrador de Empresas, Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Rio Grande
FONTE: Postado por Marco Aurélio Weissheimer
Germano dos Santos Leite *
Ao iniciar estes breves comentários, penso em inúmeras frases de efeito que possam ilustrar os fatos e causar o necessário impacto, proporcional à indignação que senti ontem (6), quando do julgamento de mérito do habeas corpus do banqueiro Daniel Dantas no STF. Lembrei, por exemplo, de famoso discurso de Rui Barbosa no Senado, que fala da frustração humana perante as injustiças. Mas optei mesmo por uma declaração mais recente, proferida por um digno ministro daquela Corte, Joaquim Barbosa, e endereçada ao "Supremo" presidente Gilmar Mendes (GM): "Isso é jeitinho, ministro Gilmar!".
Apesar de curta, a frase sintetiza um pouco do que a população brasileira tem visto na mais alta Corte deste país, em nome de interesses muito mais poderosos do que sequer ousamos imaginar. O julgamento de ontem, no qual os colegas de GM ratificariam ou não as duas liminares deferidas pelo presidente do STF, decidiria em sua essência muito mais do que apenas a liberdade do banqueiro. Informaria até que ponto nossa Justiça é igual para todos. Frente a esta importância medular, faço desde já um parênteses, adiantando minha estranheza pelo fato do apagado - quase nulo - interesse da mídia nacional pelo caso.
Quem teve o desprazer de ver o teatro montado na quinta-feira em Brasília, assistiu também a um estratagema no qual o que menos se discutiu foi a conduta supostamente ilícita do acusado, e o que se destacou foi a execração pública de um corajoso juiz federal - Fausto De Sanctis -, que passou de denunciante de um mega-esquema que cumula inúmeros tipos penais a acusado. Da mesma forma, um dia antes, o delegado federal Protógenes Queiroz, que comandou a operação Satiagraha, sofreu devassa da sua própria PF.
Além de confirmarem a controvertida decisão do "chefe" através de uma fundamentação no mínimo "escolhida a dedo", que não se sustenta, segundo inúmeros juristas de renome, os pares de GM foram além, desferindo impropérios contra o "pequeno" juiz de primeira instância, chamando-o de "insolente", e "exigindo" (na palavra de um agitado ministro Cezar Peluso) que De Sanctis seja penalizado por ter mandado prender Dantas (o banqueiro que vangloriou-se de ter "facilidades" no STF) pela segunda vez.
Não pretendo aqui descer a minúcias técnicas, pois não é o escopo deste espaço, leigo, mas se faz necessário lembrar que GM mandou soltar DD às pressas, deferindo a liminar em habeas corpus durante a madrugada, em uma apreciação jurisdicional de uma rapidez poucas vezes vista em nosso Judiciário, e afastando uma súmula (nº 691, do STF) que, via de regra, vincula decisões em casos semelhantes. No entanto, em total contraste, no julgamento desta semana os ministros executaram o "linchamento" do juiz de primeiro grau, alegando ser "inadmissível" um juiz federal julgar contra a jurisprudência (que, tecnicamente, é menos vinculante do que uma súmula).
A perseguição aparentemente orquestrada contra os investigadores e julgadores destes rumorosos casos, que mexem com os principais poderes deste país - inclui-se aí a imprensa - não pode prosseguir, sob pena de, conforme prognosticaram os ministros Marco Aurélio e Ayres Britto (únicos a erguerem a voz contra essa "caça aos bruxos" - ressaltando que Joaquim Barbosa estava fora do país), levar ao cerceamento e constrangimento de milhares de excelentes magistrados Brasil afora, que se veriam limitados em sua prerrogativa de julgar conforme o livre convencimento motivado.
Ainda neste mês, o juiz De Sanctis - agora acuado - deve sentenciar o caso Daniel Dantas. Neste país de desigualdades, torçamos para que, até lá, o banqueiro seja flagrado surrupiando frutas ou um tablete de manteiga em algum mercadinho. Assim, talvez, a possibilidade de uma condenação seja mais crível.
* Administrador de Empresas, Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Rio Grande
FONTE: Postado por Marco Aurélio Weissheimer
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