terça-feira, março 23, 2010

Jô Soares: O golpe do falso guru

Para recordar....

O golpe do falso guru

O “profeta” Omar Khayam, que diz ter o dom da cura, já foi condenado pela Justiça em vários Estados

A barba grisalha, as vestes de monge e o cajado compõem a aparência mística. Acrescente-se a ela a oratória caudalosa de um bom pregador. Assim Omar Khayam atraiu seguidores por todo o país. Seus inflamados sermões renderam-lhe fama e recursos para criar uma seita religiosa no interior de Goiás. Ganhou audiência. Nos últimos 15 dias, ao apresentar-se por duas vezes no programa de Jô Soares, na TV Globo, provocou uma avalanche de e-mails, cartas e telefonemas dirigidos à emissora. O mago quis aproveitar o sucesso. Deu entrevistas a órgãos semanais de informação. Atraiu famosos, como os cantores Ronnie Von e Baby do Brasil, para consultas particulares. Mas a notoriedade foi-lhe fatal. Omar Khayam não existe. É uma invenção do pernambucano Alexandre dos Santos Selva Neto, detentor de longa ficha policial e várias condenações na Justiça. Selva-Khayam encarna, na verdade, o Artigo 171 do Código Penal. Trata-se de um estelionatário.
Ao surgir na TV, duas semanas atrás, parecia convincente. Dizia ter “99 anos, 7 meses e 26 dias”. Assegurou que, “somadas as vidas passadas” em sete encarnações, sua idade “absoluta” alcançaria 5.600 anos. Contava integrar 200 sociedades secretas, dominar 33 idiomas e 72 dialetos e possuir 107 títulos de doutor honoris causa, recebidos de universidades brasileiras e do Exterior. Previa o fim do mundo para daqui a 50 anos e se definia como um “eremita que deixou a reclusão voluntária no Planalto Central para sair pelo mundo em pregação pela paz”. 
 
No Recife, toda essa conversa causou indignação em dois delegados aposentados: Geraldo Farias, de 71 anos, e Jorge Passo de Souza, de 70. Eles denunciaram a farsa. Souza também foi entrevistado por Jô e revelou a folha corrida policial do falso beato. Os dois delegados cruzaram com Selva-Khayam em 1958. Ele foi preso e condenado a dois anos e meio de prisão por arrombamento e furto de uma loja na capital de Pernambuco. Fugiu da cidade, voltou e foi novamente detido, acusado de prática de curandeirismo. Ao contrário da imagem de bom místico, Selva-Khayam despontou nas folhas policiais como um homem violento, cercado de encrencas. Em 1961, no Recife, foi condenado por lesão corporal. Em 1965, outra condenação: como falsário, em Niterói, no Rio de Janeiro. Ficou preso três anos. Em 1987, em São Paulo, ganhou sentença de oito meses de detenção por praticar curandeirismo. Os crimes estão prescritos. Acumula, ainda, uma acusação de estelionato em João Pessoa, na Paraíba, e responde a inquérito policial em Goiânia por consumo de drogas. 
 
“Quem foi mago, sábio, e nunca foi preso?”, perguntou Selva-Khayam, na quinta-feira à noite, em entrevista por telefone. “Qual é o meu crime? Ter curado pessoas de câncer, de Aids, de Alzheimer? A cura é um dom.” No Recife, o delegado aposentado Farias rebate: “Ele é sarcástico, um espertalhão”. 
 
Com a identidade revelada, o falso guru não pôde proferir palestra no Parlatino, em São Paulo, quarta-feira 10. A apresentação foi cancelada, para indignação de parte do público (cada ingresso havia sido vendido por R$ 125). O palestrante abandonou às pressas um hotel cinco-estrelas na capital, onde vinha atendendo uma romaria de admiradores. Recolheu-se ao sítio perto de Goiânia, levando consigo as “doações” em dinheiro recebidas dos seguidores paulistas. Não fornece o endereço de sua Ordem Gnóstico-Taoísta do Brasil. Lá diz plantar para comer e recebe “ajuda para viver”. Divide 12 quartos com “discípulos e discípulas, plantas, pássaros e mais de 300 mil livros”. No exílio goiano, pretende calar-se, mas apenas por algum tempo. “Não deixo o lodo acumular nas sandálias.”





O público pediu bis
A entrevista foi sugerida a Jô por um assessor de Khayam

O apresentador não se arrepende das duas aparições do beato em seu programa. “As pessoas pediram para ele voltar”, afirma.
Época: Você acreditou em Khayam?
Jô Soares: Claro que não (rindo), mas qualquer entrevista com um personagem tão exótico e fascinante quanto Khayam nos interessa. Não dá para negar que ele é fascinante. E o entrevistei de maneira asséptica.
Época: Está arrependido de ter repetido a dose?
Jô: De jeito nenhum. Ele é tão fascinante que está rendendo matéria até hoje. Se não fosse uma figura interessante, não teria havido tanta repercussão. Achei engraçado.
Época: Como os telespectadores reagiram às entrevistas?
Jô: Os telefones da produção ficaram congestionados de tanta gente pedindo para ele voltar. O e-mail e o fax entupiram. Alguns o queriam de novo pelo pitoresco. Outros porque desejavam questionar a veracidade dele.
Época: Como sua equipe soube que ele era um farsante?
Jô: Recebemos a ficha policial por fax. Lembro que alguém da produção disse: “É bom a gente dar o desmentido”. Eu respondi: “Não! Vamos é trazer o delegado do Recife!” O delegado José Passo de Souza só não foi entrevistado antes porque tinha se operado de apendicite.
Época: Entrevistas polêmicas, como a do falso guru, ajudam o programa? São uma alavanca de audiência?
Jô: Entrevistas polêmicas rendem bem. Como a de Khayam. O importante é que não se leve a sério uma coisa dessas. E nós não levamos. Tanto que interrompi alguns trechos em que ele falava em cura. “Isso não, Khayam, isso é uma coisa muito séria e tem gente assistindo em casa.” Ele próprio concordou. Aliás, ele não reclama de nada... (risos)



Marceu Vieira, do Rio, Maria Clarice Dias, de Brasília, e Sérgio Adeodato, do Recife


Fonte: Época

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