sexta-feira, agosto 13, 2010

A "Ameaça" do Criacionismo

Isaac Asimov

Os cientistas pensavam que era definitivo. O universo, eles decidiram, tem cerca de 20 bilhões de anos de idade, e a própria Terra tem 4,5 bilhões de anos. Formas de vida simples apareceram a mais de três bilhões de anos atrás, tendo se formado espontaneamente a partir de matéria bruta. Elas tornaram-se mais complexas através de lentos processos evolucionários e os primeiros ancestrais hominídeos da espécie humana surgiram há mais de quatro milhões de anos atrás. O próprio Homo sapiens – a espécie humana atual, pessoas como você e eu – anda pela Terra por pelo menos 50.000 anos.


Mas aparentemente não é definitivo. Há americanos que crêem que a Terra tem apenas 6.000; que os seres humanos e todas as outras espécies foram trazidos à existência por um Criador divino sendo variações de seres separados eternamente e que não há nenhum processo evolucionário.


Eles são criacionistas – eles chamam a si próprios de criacionistas “científicos” – e eles são uma força crescente no país, exigindo que as escolas sejam forçadas a ensinar seus pontos de vista. As legislaturas dos estados, desejosas de votos, estão começando a sucumbir à pressão. Em talvez 15 estados foram introduzidas leis, colocando em evidência os posntos de vista criacionistas, e em outros, fortes movimentos estão ganhando terreno. No Arkansas foi aprovada nessa primavera uma lei exigindo que o ensino do criacionismo receba tempo igual, e ela deve entrar em vigor em Setembro de 1982, embora a União Americana para as Liberdades Civis tenha feito um abaixo-assinado em nome de um grupo de clérigos, professores e pais para derrubá-la. E um padre da Califórnia chamado Kelly Segraves, o diretor do Centro de Pesquisa da Ciência da Criação tenha entrado na justiça para que as aulas de ciências das escolas públicas ensinassem que há outras teorias da criação alem da evolução, e que uma delas é a versão bíblica. A ação foi a julgamento em Março, e o juiz determinou que os educadores devem distribuir uma declaração política para as escolas e editores de livros-texto explicando que a teoria da evolução não deveria ser vista como “a causa definitiva das origens”. Mesmo em Nova York, o Comitê de Educação tem adiado desde Janeiro uma decisão final, esperada para este mês (Junho de 1981), se será exigido das escolas que incluam o ensino do criacionismo em seus currículos.


O Reverendo Jerry Fallwell, o cabeça da Maioria Moral, que, de seu púlpito na TV, apóia a visão criacionista, afirma ter de 17 a 25 milhões de espectadores (embora a Arbitron estabeleça um número muito mais modesto de 1,6 milhões). Mas há 66 ministérios eletrônicos que têm uma audiência total de cerca de 20 milhões. E em partes do país onde os Fundamentalistas predominam – o assim chamado Cinturão da Bíblia – os criacionistas são maioria.


Eles formam um grupo fervoroso e dedicado, convicto além da argumentação, tanto de seus direitos como de serem portadores da verdade. Encarando uma maioria apática e falsamente segura, grupos pequenos têm usado de pressão intensa e forte campanha – como os criacionista fazem – e têm tido sucesso em abalar e assumir o controle de sociedades inteiras.


Ainda assim, embora os criacionistas pareçam aceitar a verdade literal da história bíblica da criação, isso não significa que todos os religiosos sejam criacionistas. Há milhões de católicos, protestantes e judeus que crêem que a Bíblia é uma fonte de verdade espiritual e aceitam muito dela como sendo mais simbolicamente do que literalmente verdadeiro. Eles não consideram a Bíblia como um livro-texto de ciência, mesmo em seu propósito inicial, e não têm problema algum com o ensino da evolução em suas instituições seculares.


Para aqueles que são treinados em ciência o criacionismo parece-se com um sonho ruim, uma súbita revelação de um pesadelo, a marcha renovada de um exército da noite convocado para desafiar o livre-pensamento e a compreensão das coisas.


Os indícios científicos para a idade da Terra e para o desenvolvimento evolucionário parecem avassaladores para os cientistas. Como pode alguém questioná-los? Que argumentos os criacionistas usam? Qual a “ciência” que faz sua visão ser “científica”? Aqui estão alguns deles.


O Argumento da Analogia


Um relógio implica um relojoeiro, dizem os criacionistas. Se você encontrasse um lindo e intrincado relógio no deserto, longe da civilização, você teria certeza que ele foi feito por mãos humanas e de alguma forma foi deixado lá. Seria absurdo supor que ele tenha simplesmente se formado, espontaneamente, das areias do deserto.


Por analogia, então, se você considerar a humanidade, a vida, Terra, e o universo, tudo infinitamente mais intrincado que um relógio, você crerá muito menos que eles “simplesmente aconteceram”. Eles também, como o relógio, devem ter sido fabricados, mas por mais do que mãos humanas – resumindo, por um Criador divino.


Esse argumento parece irrespondível, e ele tem sido usado (mesmo que geralmente não seja expresso de forma tão explícita) desde a aurora da consciência. Tentar explicar para seres humanos pré-científicos que o vento e a chuva e o sol seguem as leis da natureza e o fazem tão cegamente e sem um guia, teria sido muito pouco convincente para eles. De fato, eles poderiam muito bem te apedrejar até a morte como blasfemo.


Há muitos aspectos do universo que ainda não podem ser explicados satisfatoriamente pela ciência, mas a ignorância implica apenas que a ignorância um dia será conquistada. Render-se à ignorância e chamá-la de Deus tem sido sempre prematuro, e permanece prematuro até hoje.


Resumindo, a complexidade do universo – a incapacidade de alguém de explicá-la por completo – não é por si um argumento para um Criador.


O Argumento do Consenso Geral


Alguns criacionistas salientam que a crença em um Criador é geral entre todos os povos todas as culturas. Certamente essa busca unânime sugere uma verdade maior. Não haveria uma crença unânime em uma mentira.


Crença geral, entretanto, não é realmente surpreendente. Quase todas as pessoas na Terra que refletem sobre a existência do mundo assumem que ele foi criado por um deus ou deuses. E cada grupo inventa detalhes completos para a história. Não há duas histórias da criação semelhantes. Os gregos, os nórdicos, os japoneses, os hindus, os índios americanos, e assim por diante, todos têm seus próprios mitos da criação, e todos eles são reconhecidos pelos americanos de herança judaico-cristã como “apenas mitos”.


Os antigos hebreus também tinham uma história da criação – duas delas, na verdade. Há uma história primitiva sobre Adão e Eva no Paraído, com o homem criado primeiro, depois os animais, então as mulheres. Há também um conto poético de Deus criando o universo em seis dias, com animais precedendo o homem, e o homem e a mulher criados juntos.

Esses mitos hebráicos não são inerentemente mais críveis do que qualquer um dos outros, mas eles são os nossos mitos. O consenso geral, é claro, não prova nada. Pode haver uma crença unânime em algo que não é verdadeiro. A opinião universal durante milhares de anos de que a Terra era chata nunca achatou sua forma esférica em nem um centímetro.


O Argumento do Amesquinhamento


Os criacionistas freqüentemente acentuam o fato de que a evolução é “apenas uma teoria”, dando a impressão de que uma teoria é um palpite vazio. Um cientista, conclui-se, acorda uma manhã sem nada em particular para fazer, decide que a lua é feita de queijo Roquefort e instantaneamente proclama a teoria do queijo Roquefort.


Uma teoria (da maneira como a palavra é usada pelos cientistas) é uma descrição detalhada de alguma faceta do funcionamento do universo que é baseada em longa observação e experimentação e que tem sobrevivido ao estudo crítico dos cientistas em geral.


Por exemplo, temos a descrição da natureza celular dos organismos vivos (a “teoria das células”); de objetos que se atraem mutuamente de acordo com uma regra fixa (a “teoria da gravitação”); da energia agindo em montantes discretos (a “teoria quântica”); da luz viajando através do vácuo a uma velocidade fixa e mensurável (a “teoria da relatividade”), e assim por diante.


São todas teorias; são todas firmemente fundamentadas; são todas aceitas como descrições válidas deste ou daquele aspecto do universo. Elas não são nem palpites nem especulações. E nenhuma é melhor fundamentada, examinada mais de perto, mais questionada criticamente e mais largamente aceita do que a teoria da evolução. Se ela é “apenas” uma teoria, isso é tudo o que ela tem que ser.


O criacionismo, por outro lado, não é uma teoria. Não há nenhum indício, cientificamente falando, que a apóie. O criacionismo, ou pelo menos a variedade particular aceita por muitos americanos, é uma expressão de uma lenda dos primórdios do Oriente Médio. Ela é descrita com justiça como “apenas um mito”.


O Argumento da Imperfeição


Os criacionistas, recentemente, têm enfatizado o pano de fundo “científico” de suas crenças. Eles salientam que há cientistas que baseiam suas crenças criacionistas em um estudo cuidadoso de geologia, paleontologia e biologia e produzem “livros-texto” que incorporam essas crenças.


Praticamente todo o corpo científico do criacionismo, entretanto, consiste em salientar imperfeições da visão evolucionista. Os criacionistas insistem, por exemplo, que os evolucionistas não têm estágios intermediários entre espécies no registro fóssil; que as datações através do decaimento radioativo são incertas; que interpretações alternativas desse ou daquele indício são possíveis e assim por diante.


Devido ao fato de que a visão evolucionária não é perfeita e não é consenso entre todos os cientistas, os criacionistas argumentam que a evolução é falsa e que os cientistas, ao apoiar a evolução, estão baseando seus pontos de vista em fé cega e dogmatismo.


Até certo ponto, os criacionistas estão certos aqui. Os detalhes da evolução não são perfeitamente conhecidos. Os cientistas têm ajustado e modificado as sugestões de Charles Darwin desde que ele publicou sua teoria da orgem das espécies através da seleção natural em 1859. Afinal de contas, aprendeu-se muito sobre o registro fóssil e fisiologia, microbiologia, bioquímica, etologia e vários outros ramos das ciências da vida nos últimos 125 anos, e era de se esperar que melhorássemos Darwin. De fato, nós o temos melhorado. E o processo não está terminado, tampouco. Ele nunca estará, enquanto os seres humanos continuarem a questionar e buscarem respostas melhores.


Os detalhes da teoria evolucionária estão em discussão precisamente porque os cientistas não são devotos de uma fé cega e dogmatismo. Eles não aceitam mesmo um grande pensador como Darwin sem questionar, e nem aceitam qualquer idéia, nova ou antiga, sem ser ampla argumentação. Mesmo após acietar uma idéia, eles estão prontos para desconsiderá-la, se novos indícios apropriados aparecem. Se, entretanto, admitimos que uma teoria é imperfeita e detalhes permanecem em discussão, isso refuta a teoria como um todo?


Considere. Dirijo um carro e você dirige um carro. Não sei exatamente como um motor funciona. Talvez você também não saiba. E pode ser que nossas idéias nebulosas e aproximadas sobre o funcionamento de um automóvel estejam em conflito. Devemos concluir, a partir desse desacordo que um automóvel não funciona, ou que ele não existe? Ou, se os nossos sentidos nos forçam a concluir que um automóvel realmente existe e anda, isso significa que ele é puxador por cavalos invisíveis, uma vez que a nossa teoria sobre o motor é imperfeita?


Entretanto muitos cientistas discutem sobre suas crenças divergentes sobre detalhes na teoria evolucionária, ou na interpretação do registro fóssil necessariamente imperfeito, eles aceitam firmemente o processo evolucionário em si.


O Argumento da Ciência Distorcida


Os criacionistas aprenderam terminologia científica suficiente para usá-la em suas tentativas de refutar a evolução. Eles fazem isso de diversas maneiras, mas o exemplo mais comum, pelo menos na correspondência que recebo é a afirmação repetida de que a segunda lei da termodinâmica demonstra que o processo evolucionário é impossível.


Em termos de jardim-da-infância, a segunda lei da termodinâmica diz que toda mudança espontânea é na direção de uma desordem crescente – ou seja, na direção “ladeira abaixo”. Não pode haver construção espontânea do complexo a partir do simples, portanto, porque isso seria mover-se “ladeira acima”. De acordo com o argumento dos criacionistas, desde que, pelo processo evolucionário, formas complexas de vida evoluem de formas simples, esse processo desafia a segunda lei, assim o criacionismo deve ser verdadeiro.


Tal argumento implica que essa falácia claramente visível é, de alguma forma, invisível para os cientistas, que devem, portanto estar ignorando a segunda lei por pura perversidade. Os cientistas, entretando, sabem sobre a segunda lei e não são cegos. É só que o argumento baseado em termos de jardim-da-infância serve apenas para pessoas no jardim-de-infância.


Para elevar o argumento um grau acima do nível de jardim-de-infância, a segunda lei da termodinâmica aplica-se a “sistemas fechados” – ou seja, a um sistema que não recebe energia de fora, ou perde energia para fora. O único sistema verdadeiramente fechado que conhecemos é o universo como um todo.


Dentro de um sistema fechado, há subsistemas que podem aumentar a complexidade espontaneamente, desde que haja uma perda maior de complexidade em outro subsistema interconectado. A mudança global então é uma perda de complexidade de acordo com a segunda lei.

A evolução pode acontecer e formar o complexo a partir do simples, movendo-se ladeira acima, sem violara segunda lei, contanto que outra parte do sistema interconectada – o sol, que fornece energia à Terra continuamente—mova-se ladeira abaixo (como de fato acontece) em uma taxa muito mais rápida do que aquela com que a evolução move-se ladeira acima. Se o sol deixasse de brilhar, a evolução pararia bem como a vida, eventualmente.


Infelizmente, a segunda lei é um conceito sutil com que a maioria das pessoas não está acostumada a lidar, e não é fácil ver a falácia na distorção dos criacionistas.


Há muitos outros argumentos “científicos” usados pelos criacioniastas, alguns dos quais tiram proveito de áreas em debate na teoria evolucionária, mas cada um deles é tão insincero quanto o argumento da segunda lei.


Os argumento “científicos” são organizados em livros-texto criacionistas especiais, que têm toda a aparência superficial de uma coisa autêntica, e que os sistemas educacionais estão sendo fortemente pressionados a aceitar. Eles são escritos por pessoas que não fizeram nenhum trabalho como cientistas e, enquanto discutem geologia, paleontologia e biologia com a terminologia científica correta, devotam-se quase inteiramente a levantar dúvidas sobre a legitimidade dos indícios e do raciocínio que fundamentam o pensamento evolucionário, supondo que assim o criacionismo passa a ser a única alternativa possível.


Os indícios realmente a favor do criacionismo não são apresentados, é claro, porque não há nenhum outro a não ser a palavra da Bíblia, e não usá-la é a estratégia atual dos criacionistas.


O Argumento da Irrelevância


Alguns criacionistas põem todos os indícios científicos de lado e consideram-nos irrelevantes. O Criador, eles dizem, trouxe a vida, a Terra e o universo inteiro à existência há mais ou menos 6.000 anos atrás, todo completo, com todos os indícios de um desenvolvimento evolucionário com eras de idade. O registro fóssil, o decaimento radioativo as galáxias se afastando foram criadas como estão, e os indícios que eles apresentam são uma ilusão.


É claro, esse argumento é, por si, irrelevante, pois não pode ser provado nem refutado. Na verdade não é um argumento, mas uma declaração. Posso dizer que o universo inteiro foi criado há dois minutos, completo com todos os livros de história descrevendo um passado não-existente em detalhes, e com cada pessoa viva equipada com uma memória completa; você, por exemplo, no processo de ler o meio deste artigo com a memória de ter lido o seu início – que você, na verdade, não leu.


Que tipo de Criador faria um universo contendo uma ilusão tão intrincada? Isso significaria que o Criador formou um universo que conteria seres humanos a quem Ele teria dotado com a faculdade da curiosidade e a habilidade de raciocinar. Ele proveu esses seres humanos com uma quantidade enorme de indícios sutis e consistentes, tudo isso para enganá-los e fazê-los se convencer que o universo havia sido criado há 20 bilhões de anos atrás e desenvolvido através de processos evolucionários que incluem a criação e o desenvolvimento da vida na Terra. Por que?


O Criador tem prazer em nos enganar? Ele se diverte vendo-nos errar? É parte de um tesde ver se os seres humanos irão negar seus sentidos e seu raciocínio agarrando-se ao mito? É possível que o Criador seja um farsante cruel e malicioso, com um senso de humor adolescente perverso?


O Argumento da Autoridade


A Bíblia diz que Deus criou o mundo em seis dias e a Bíblia é a palavra de Deus inspirada. Para o criacionista médio é tudo o que importa. Todos os outros argumentos são apenas um meio tedioso de combater a propaganda de todos aqueles perversos humanistas, agnósticos e ateus que não estão satisfeitos com a clara palavra do Senhor.


Os líderes criacionistas, na verdade, não usam esse argumento porque isso faria com que seu ponto de vista fosse religioso, e eles não poderiam tentar implantá-lo no sistema educacional secular. Eles precisam emprestar as roupas da ciência, não importa quão mal ela caia, e chamar a si próprios de criacionistas “científicos”. Eles também falam apenas no “Criador”, e nunca mencionam que esse Criador é o Deus da Bíblia.


Não podemos, entretanto, levar a sério esse disfarce de ovelha. Enquanto muitos líderes criacionistas podem usá-la em seus pontos “científicos” e “filosóficos”, eles estariam perdidos e seriam ridicularizados se fosse tudo que tivesem.


É a religião que recruta os seus esquadrões. Dezenas de milhões de americanos, que não conhecem ou não entendem os argumentos verdadeiros pró ou mesmo contra a evolução marcham no exército da noite agitando suas Bíblias. E eles são um poder forte e combativo, impermeáveis e imunizados contra a débil lança do simples raciocínio.


Mesmo se eu estiver certo e o caso dos evolucionistas for muito forte, os criacionistas não têm, não importa quão vazio seja o seu caso, o direito de serem ouvidos? Se o seu caso é vazio, não é perfeitamente seguro discuti-lo uma vez que o vazio seria então visível? Por que então os evolucionistas estão tão relutantes em ter o criacionismo ensinado nas escolas públicas na mesma base da teoria evolucionária? Não pode ser que os evolucionistas não estão tão confiantes no seu caso como pretendem? Eles estão com medo de permitir que os jovens tenham uma escolha clara?


Primeiro, os criacionistas são um tanto menos que honestos em sua exigência por tempo igual. Não é o ponto de vista deles que está sendo reprimido: as escolas não são, absolutamente, os únicos locais nos quais ocorre a disputa entre o criacionismo e o evolucionismo. Há igrejas, por exemplo, que têm uma influência muito mais séria sobre a maioria dos americanos do que as escolas. Com certeza, muitas igrejas são bastante liberais e estão em paz com a ciência e acham mais fácil viver com os avanços científicos – mesmo com a evolução. Mas muitas das igrejas não tão modernas e urbanas são bastiões do criacionismo.


A influência da igreja é naturalmente sentida em casa, nos jornais e em toda a sociedade circundante. Ela se faz sentir na nação como um todo, mesmo nas áreas livres da religião, de milhares de maneiras sutis: na natureza dos feriados, em expressões de fervor patriótico, e mesmo em irrelevâncias completas. Em 1968, por exemplo, um grupo de astrônomos circundando a lua foi instruído a ler os primeiros versículos do Gênesis porque a NASA sentiu que deveria aplacar a ira do público devido à violação do firmamento. E o atual Presidente dos Estados Unidos expressou sua simpatia pelo criacionismo.


É apenas na escola que os jovens americanos em geral tem a probabilidade de ouvir uma explicação racional do ponto de vista evolucionário. Eles podem encontrar tal ponto de vista em livros, revistas, jornais ou mesmo, às vezes, na televisão. Mas a igreja e a família podem censurar facilmente o material impresso ou a televisão. Apenas a escola está além do seu controle.

Mas apenas um pouco além. A despeito de que as escolas são agora permitidas de ensinar a evolução, os professores estão começando a não insistir muito sobre ela, sabendo muito bem que seus empregos estão à mercê dos conselhos escolares, sobre os quais os criacionistas vêm sendo uma influência cada vez mais forte.


Então, nas escolas também os estudantes não são solicitados a crer no que eles aprenderam sobre a evolução – apenas a repetir tudo nas provas. Se eles não o fizerem, sua punição não será nada mais do que a perda de uns poucos pontos em um teste ou dois.


Nas igrejas criacionistas, entretando, exige-se que a congregação acredite. Jovens impressionáveis, advertidos de que irão para o inferno se ouvirem a doutrina evolucionária, não a ouvirão com tranqüilidade nem crerão no que ouvirem. Portanto, os criacionistas que controlam a igreja e a sociedade em que vivem e encaram a escola pública como o único lugar onde a evolução é mencionada mesmo que brevemente de maneira favorável, acham que não podem resistir nem a uma competição tão minúscula e assim exigem “tempo igual”.


Você supõe que sua devoção à “justiça” é tal que eles dariam tempo igual à evolução em suas igrejas?


Segundo, o perigo real é a maneira como os criacionistas querem seu “tempo igual”. No mundo científico há uma competição de idéias livre e aberta, e mesmo um cientista cujas sugestões não sejam aceitas é, mesmo assim, livre para continuar a defender o seu caso. Nessa competição de idéias livre e aberta, o criacionismo perdeu, claramente. Ele vem perdendo, na verdade, desde o tempo de Copérnico há quatro séculos e meio. Mas o criacionismo, colocando o mito acima da razão, recusou-se a aceitar a decisão e estão pedindo que o governo force seus pontos de vista nas escolas em nome da livre expressão das idéias. Os professores devem ser forçados a apresentar o criacionismo como se ele tivesse respeitabilidade intelectual igual à doutrina evolucionária.


Que precedente isso estabelece.


Se o governo pode mobilizar sua polícia e suas prisões para assegurar que os professores dêem tempo igual ao criacionismo, eles podem em seguida usar a força para assegurar que os professores declarem o criacionismo como vitorioso, de forma que a evolução seja banida das salas de aula. Teremos estabelecido uma base, em outras palavras, para a ignorância legalmente estabelecida e para o controle de pensamento totalitário. E o que acontece se os criacionistas vencerem? Eles poderiam vencer, você sabe, pois há milhões que se tiverem que escolher entre a ciência e sua interpretação da Bíblia, escolherão a Bíblia e rejeitarão a ciência, apesar dos indícios.


Isso não ocorre somente devido à reverência tradicional e irracional das palavras literais da Bíblia; existe também um desconforto – mesmo medo – da ciência que joga mesmo aqueles que se importam pouco com o fundamentalisimo nos braços dos criacionistas. Por um motivo: a ciência é incerta. As teorias estão sujeitas a revisão, as observações estão abertas a uma variedade de interpretações, e os cientistas discutem entre si. Isso é decepcionante para aqueles não treinados no método científico, que assim, preferem se voltar para a rígida certeza da Bíblia. Existe algo de confortável sobre uma visão que não admite desvio e que poupa a pessoa da dolorosa necessidade de ter de pensar.



Em segundo lugar, a ciência é complexa e desafiante. A linguagem matemática da ciência é compreendida por muito poucos. Os cenários que ela apresentam são assustadores – um universo enorme regido pelo acaso e por regras impessoais, vazio e indiferente, indomável e vertiginoso. Quão confortável, por outro lado, é um mundo pequeno, com uns poucos milhares de anos, sob o cuidado pessoal e imediato de Deus; um mundo em que você conta com Seu cuidado pessoal e onde Ele não te condenará ao inferno se você for cuidadoso e seguir cada palavra da Bíblia da forma que o pastor da televisão interpretar para você.


Terceiro, a ciência é perigosa. Não há dúvida de que gás venenoso, engenharia genética, armas nucleares e usinas de força são aterrorizantes. Pode ser que a civilização esteja se destruindo e que o mundo que conhecemos esteja chegaodo ao fim. Nesse caso, por que não se voltar para a religião e esperar pelo Dia do Julgamento, quando você e os seus companheiros crentes serão elevados ao eterno êxtase e terão ainda a alegria de ver os gozadores e descrentes se contorcerem em tormento para semore.


Então por que eles não poderiam vencer?


Há varios casos de sociedades em que os exércitos da noite têm cavalgado triunfantes sobre as minorias a fim de estavelecer uma ortodoxia poderosa que dita o pensamento oficial. Invariavelmente, a cavalgada triunfante vai na direção de um desastre de longo alcance. A Espanha dominou a Europa e o mundo no século 16, mas na Espanha a ortodoxia vinha primeiro, e toda divergência de opinião era suprimida implacavelmente. O resultado foi que a Espanha ficou na obscuridade e não compartilhou do fermento científico, tecnológico e comercial que borbulhava em outras nações da Europa Ocidental. A Espanha permaneceu numa estagnação intelectual por séculos. No final do século 17, a Franca, em nome da ortodoxia, revogou o Edito de Nantes e expulsou muitos milhares de huguenotes, que adicionaram seu vigor intelectual a terras de refúgio como a Grã-Bretanha, a Holanda e a Prússia, enquantoa Franca foi enfraquecida permanentemente.


Numa época mais recente a Alemanha perseguiu os cientistas judeus da Europa. Eles chegaram aos Estados Unidos e contribuíram imensamente para o seu avanço científico, enquanto a Alemanha perdia tão pesadamente que não se pode dizer quanto tempo vai levar até que ela recupere sua antiga eminência científica. A União Soviética, em sua fascinação com Lysenko, destruiu seus geneticistas, e atrasou as ciências biológicas por décadas. A China, durante a Revolução Cultural, voltou-se contra a ciência ocidental e ainda luta para superar a devastação que resultante.


Como iremos agora, com todos esses exemplos diante de nós, cavalgar de volta ao passado sob a mesma bandeira esfarrapada da ortodoxia? Com o criacionismo a tiracolo, a ciência americana definhará. Criaremos uma geração de ignorantes mal-equipados para dirigir a indústria de amanha, e muito menos para gerar os novos avanços dos dias de depois de amanhã.


Vamos inevitavelmente retroceder à retaguarda da civilização e aquelas nações que mantiverem aberto o pensamento científico tomarão a liderança do mundo e da fronteira do progresso humano. Não creio que os criacionistas planejem realmente o declínio dos Estados Unidos, mas o seu patriotismo expresso em altas vozes é tão ingênuo quanto sua “ciência”. Se eles tiverem sucesso, eles irão, em sua loucura, obter o oposto do que dizem desejar.


Isaac Asimov, “The 'Threat' of Creationism,”


New York Times Magazine, 14 de junho de 1981; de Science and Creationism, Ashley Montagu, ed., New York: Oxford University Press, 1984, págs. 182-193.

Um comentário:

Marvin (Sérgio Rodrigues) disse...

Eu até acredito em um Deus Criador, mas isso não quer dizer que Ele fez tudo em 7 dias normais, e a Terra tem só 6000 anos... Podemos ser obra das mãos de Deus, obra essa que Ele tenha demorado alguns milhões de anos pra aperfeiçoar... afinal, já que Ele é Eterno, pra que a pressa? Eu tenho a mente aberta pras coisas atuais, não podemos fechar os olhos para as evidências. Toda essa beleza da criação não pode ter surgido tão de repente, em tão pouco tempo.