quinta-feira, novembro 04, 2004

O fim de um certo sorriso

Luis Fernando Verissimo
04/11/2004

Não faz muito, dizer que você simpatizava com o PT provocava um certo sorriso. Dependendo de quem, ou do que, você era, o sorriso poderia significar surpresa ("E o PT existe?!"), irritação polida ("Ih, outro burguês com culpa..."), condescendência ("Eu também me preocupo com os humildes") ou pena ("Quanta ingenuidade"). "Ser PT" sem ter qualquer razão lógica, de classe, para isso era visto como um capricho intelectual, um jeito de ser corretamente "de esquerda" sem o risco de ter que provar isso, já que o PT era uma miragem política. Algumas eleições depois, muitas coisas mudaram no Brasil, mas a maior mudança de todas foi o fim daquele certo sorriso. A miragem não era miragem, o PT cresceu, chegou ao poder federal, teve mais votos do que qualquer outro partido nas últimas eleições municipais, e aos poucos o sorriso de incredulidade e tolerância foi desaparecendo. Em muitos casos, substituído por um esgar de raiva.


Mas há quem diga que o sorriso só ficou mais irônico. Perdendo em São Paulo e em Porto Alegre, mesmo com todas as outras prefeituras conquistadas, o PT teria encontrado o seu limite, ou o tamanho máximo que a reação lhe concedeu sorrindo. No Rio Grande do Sul, a derrota do PT deve ser vista, em parte, como seqüência da sacudida que a eleição surpreendente de Olívio Dutra para o governo do Estado e o crescimento do partido no Interior deram no conservadorismo gaúcho, que se uniu num antipetismo ecumênico que agora cassou até a licença tácita dada a Porto Alegre para ser um mostruário fixo da esquerda aplicada, um pouco como era a Bolonha administrada pelos comunistas durante sucessivos governos democrata-cristãos, na Itália. Como aconteceu na Itália, esta Bolonha também foi reconquistada pela direita. O prefeito eleito José Fogaça, a julgar pelas suas declarações e pelo que se sabe dele, pretenderia fazer em Porto Alegre uma espécie de governo petista sem o PT, mas teria que fazê-lo com uma coligação cujo principal traço de união é o horror a tudo o que o PT representa.


Análises apressadas são sempre imprecisas e a sociologia de boca-de-urna não costuma resistir ao tempo, este carrasco de teorias, mas as recentes eleições municipais também sugerem outro caminho para o PT, ou outro meio para enfrentar a reação. O PT era um fenômeno paulista, passou a ser um fenômeno diferente no Rio Grande do Sul urbano e agora estaria se transformando num fenômeno nordestino, que seria a sua vocação natural. E, quanto mais cresce e muda o PT, mais amplo e variado fica - sem falar no PT transvestido de PSDB que mora em Brasília. Hoje, quando você diz que simpatiza com o PT, ouve a pergunta "Qual deles?" Mas pelo menos ninguém mais está sorrindo.

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