sexta-feira, setembro 23, 2005

Casa Grande e Senzala

Paulo Sant'ana

21/09/2005

Casa Grande e Senzala

Foi lindo de se ver ontem na Perimetral o Desfile Farroupilha. O clima meteorológico foi providencial ao fazer cessar as chuvas e uma multidão de dezenas de milhares de pessoas foi ver o desfile, com a novidade positiva dos carros alegóricos a enfeitar ainda mais a festa, transformando a pista em uma bela e estupenda aquarela de motivos gauchescos e regionalistas.

Chega a ser impressionante esta veneração dos gaúchos por seu pago, é um dos maiores fenômenos sociológicos da nacionalidade.

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Tudo bem, nada a objetar ao desfile, foi enternecedor verem-se multidões de crianças, algumas de três, quatro, cinco anos de idade, de bombachas, botas, lenços vermelhos nos pescoços, palas, guaiacas, que coisa linda ver que este amor pelo Rio Grande já medra em definitivo nos corações infantis, arremessando-se para entusiasmar mais ainda os próximos tempos e gerações por este notável impulso cívico.

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Só que a prefeitura gastou uma fortuna para construir a Pista de Eventos, no Porto Seco.

Quando se levantou a possibilidade de a Pista de Eventos, ou Sambódromo, ser erguida nas imediações do Beira-Rio, uma onda de protestos provinda de várias camadas da sociedade, entidades e moradores do Menino Deus e Praia de Belas praticamente fulminou a sugestão.

O mesmo aconteceu com a idéia de localizar a Pista de Eventos no Parque Maurício Sirotsky.

Uma série de óbices foi levantada, não podia ser ali próximo do centro da cidade.

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Encurralada por setores influentes da população, a prefeitura resolveu implantar a Pista de Eventos no Porto Seco, lá longe, distante do bulício da cidade, num lugar em que principalmente os desfiles carnavalescos não iriam perturbar a circunspecta e reacionária mediania.

Lá iriam se realizar todos os desfiles.

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Vê-se agora, no entanto, que os desfiles de 7 de Setembro e 20 de Setembro são realizados triunfalmente na Perimetral, com mais assistentes, como no caso de ontem, dos que os verificados nos desfiles carnavalescos.

Interessante, agora não há mais qualquer inconveniente para a reunião de multidões em torno do Parque Maurício Sirotsky e nas imediações do Centro. Os ambientalistas, antes tão furiosos para não permitir que ali fossem realizados os desfiles, silenciaram como por milagre.

E lá restou no Porto Seco remoto a Pista de Eventos apenas como restolho para os desfiles carnavalescos.

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Ou seja, o Porto Seco, na sua desconfortável lonjura, reservado apenas para os carnavalescos barulhentos e inconvenientes.

Os negros foram mais uma vez expulsos da augusta planície urbana e confinados para sua festa máxima no grotão da cidade, como há centenas de anos aconteceu no apartheid que os despejou na Colônia Africana, hoje ali no bairro Rio Branco, com as partes nobres da cidade inteiramente destinadas aos brancos.

Mais uma vez, os racistas, embora anônimos e perenemente inimputáveis deste estigma moral, mostraram-se poderosos e deixaram bem clara e definitiva a distinção entre a Casa Grande e a Senzala.

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