quinta-feira, setembro 29, 2005

Dois governos, duas medidas

Dois governos, duas medidas


Para garantir a vitória da votação no Congresso, o governo federal apelou para a distribuição de cargos. O presidente da República falou por telefone com vários parlamentares, que condicionavam o voto a nomeações. Somente o apoio de um grupo de parlamentares custará pelo menos R$ 1 bilhão ao governo. O porta-voz da Presidência justificou esse comportamento dizendo que esses parlamentares ''contribuíram'' com o governo. Um parlamentar da oposição acusou o relator da emenda votada - Valdemar Lima Neto, do Rio de Janeiro - de ter recebido doação de R$ 40 mil para sua campanha. Manifestantes nas galerias jogaram moedas no plenário, para expressar como as decisões do Congresso e do governo estavam permeadas pela corrupção.

Pode parecer noticiário atual, familiar a estes meses permeados de denúncias de compra de votos, de corrupção, de governo envolvido em acusações de aquisição de apoio mediante negociações obscuras. Nem valeria a pena noticiar ou comentar, se se tratasse disso. Mas não se trata disso, porque embora os fatos sejam muito similares aos de hoje, o clima é muito diferente, revelando como há dois pesos e duas medidas, conforme o governo.

Porque esse comportamento escandaloso não gerou nenhuma Comissão Parlamentar de Inquérito, não houve campanha nacional contra o governo e os partidos da base governista. Nenhum deputado foi cassado, nenhum ministro renunciou ou foi substituído. Não houve crise nacional, o governo saiu mais forte, com mais apoio. O presidente da República foi reeleito. As acusações de que conseguiu aprovar a mudança constitucional para ser reeleito foi feita mediante a compra de votos, com evidências claras, tampouco foi objeto de CPI. As privatizações do patrimônio público, feitas depois que o BNDES da época saneou as empresas e posteriormente financiou sua venda a empresas privadas, nacionais e estrangeiras, a preços módicos e financiamentos com juros baixos, tampouco foram objeto de escândalo, menos ainda de CPI.

A votação foi a da quebra do monopólio da Petrobras, o presidente era FHC, o porta-voz era Sérgio Amaral. O deputado que denunciou a compra do voto de Valdemar Lima Netto - então do PFL - era Marcelo Deda, naquele momento deputado federal do PT por Sergipe. O grupo de parlamentares comprado por R$ 1 bilhão reais pelo governo era a bancada ruralista. Os manifestantes eram trabalhadores petroleiros, dirigidos pelo presidente do sindicato, Antonio Carlos Spis.

A notícia está na primeira página do Jornal do Brasil de 9 de junho de 1995 e me foi encaminhada por um leitor atento às diferenças de tratamento dos mesmos tipos de comportamento por governos diferentes e servem como dados comparativos. Em reportagem publicada na revista Carta Capital, Raimundo Pereira já havia desmentido outro dos clichês assumidos como verdades estabelecidas: o esquema do escândalo do Banestado - que envolve a personagens como Jorge Bornhausen, José Serra, Paulo Maluf - movimentou a cifra de US$ 176,8 milhões de dólares, isto é, mais ou menos 10 vezes o caixa 2 de Delúbio Soares. É totalmente falsa portanto a versão - propalada por Roberto Jefferson e aceita quase generalizadamente - de que se trataria ''do maior caso de corrupção'' no Brasil.

Isso tira a gravidade da crise atual? Não, em nada. Principalmente por ser protagonizada por um partido que sempre pregou a ética na política e havia sido um exemplo de administração pública em grande parte dos governos a que havia sido eleito. Mas demonstra como casos acontecidos em outro governo e escândalos envolvendo outros personagens não ganharam a projeção que ganham as denúncias atuais.

Como exemplo atual, as denúncias, protocoladas na Justiça em processo enviado pelo procurador-geral da República contra o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, por acusações de enriquecimento ilícito, sonegação, entre outras, passa quase desapercebida. Não se menciona o processo, não se investiga as pistas muito concretas que acompanham o processo, tampouco é objeto de CPI o fato de que a pessoa encarregada de cuidar da moeda brasileira tenha sobre si acusações tão graves. Não se trata sequer de desviar as acusações contra o governo para próceres da oposição, porque Meirelles pertence ao governo e a seu núcleo duro, mas justamente por isso, porque a política econômica faz parte do consenso entre os setores de direita do governo e da oposição, Meirelles é poupado.

Porque na realidade os ataques atuais são contra o PT, como principal partido da esquerda, muito mais do que contra o governo Lula. O paradoxo é que os erros da antiga direção do PT e do governo são erros de direita, de preservação, tanto da política econômica herdada, quanto das práticas herdadas. Os méritos do governo - política externa, política educacional, política cultural - são de esquerda, são de ruptura com o governo FHC. Daí a campanha contra Celso Amorim e a benevolência com Henrique Meirelles. A oposição direita/esquerda continua a dominar a política brasileira, apesar das ilusões em contrário.

emirsader@uol.com.br

[25/SET/2005]


Nenhum comentário: