quarta-feira, outubro 26, 2005

As viagens de Lula: oposição ou preconceito?

LAURO QUADROS/ Jornalista




Ouvi, ninguém me contou: "O Lula vai viajar logo agora, que, além da crise política, voltou a febre aftosa? Por que não manda os ministros? Para que servem os embaixadores?" Primeiro: se for esperar pelo fim da crise política, ninguém viaja. Segundo: uma agenda presidencial, elaborada com larga antecedência, não fica à mercê de imprevistos. Terceiro: tratava-se, simplesmente, de uma reunião de chefes de Estado, na Espanha, em Salamanca, com a presença do presidente da ONU. E, em seguida, depois de passagem pela Itália, onde recebeu homenagem da FAO (isto é que dói!), reunião com o presidente Vladimir Putin, em Moscou, para tratar - atenção - da ampliação do comércio de carne e açúcar com os russos.

Mais do que conhecido, Lula, carismático, tornou-se reconhecido internacionalmente. Por sua campanha contra a fome, já nos primeiros meses de governo foi agraciado com o Prêmio Astúrias, também conquistado por seu antecessor. Diversificou as relações internacionais, inaugurando ou ampliando o intercâmbio com países da África e da Ásia e, numa iniciativa praticamente pioneira, concretizou o enlace do Brasil com o mundo árabe. Fosse ele um presidente apenas doméstico, sedentário, e não teríamos dado este salto. Um autodidata, quem diria?

Lances oposicionistas para a torcida, à parte, ninguém me tira da cabeça que Lula continua sendo alvo de preconceito. A patuléia colonizada quer saber em que idioma ele se comunica com Bush, Chirac ou Putin. Em inglês não é, mas em português também não. Sabem por quê? Os três não falam português. Então, zero a zero e bola no centro. Se Chirac só fala francês e Bush só inglês, que importância tem o Lula só saber o português? Ainda mais em tempos de tradução simultânea. Ninguém está sustentando que não seria melhor dominar outros idiomas. Mas ainda prefiro um monoglota assumido como o Lula a um pretenso poliglota como o Collor.

É como a história do AeroLula. A compra do avião foi sendo empurrada de um presidente para o outro, até que Lula ousou aposentar o Sucatão. Se o professor Fernando Henrique tivesse providenciado a troca, a repercussão teria sido a mesma?

E não pára por aí. O presidente também é acusado de fazer turismo em suas viagens. Lula seria um idiota se, nas poucas horas de folga num domingo em Roma, ficasse trancado na embaixada do Brasil. Haveriam de criticá-lo. Lula e Marisa, depois de fotografados nas janelas dos fundos do palácio Pamphili, opostas à Piazza Navona, fizeram, sim, um passeio cultural de duas horas pela Cidade Eterna, incluindo a Basílica de São Paulo, fora dos roteiros mais convencionais de quem conhece Roma ma non troppo. Em Moscou, o presidente tentou visitar o mausoléu de Lenin e não conseguiu. Compreensível. Lembro-me da fila de quatro horas que enfrentei em 1973, enquanto a maioria dos jornalistas que acompanhavam a Seleção cumpria o fastidioso triângulo aeroporto-hotel-estádio.

Há, sim, o que criticar em Lula, no seu governo e, principalmente, no seu partido. Mas desmerecer suas viagens, ou pelo interior do Brasil, ou pelo Exterior, como não é falta de assunto (isto tem de sobra), só pode mesmo ser preconceito.

Publicado no jornal Zero Hora do dia 23/10/2005

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