quarta-feira, novembro 16, 2005

Impeachment?

Por EDUARDO K. M. CARRION/ Professor de Direito Constitucional

Volta-se a falar em impeachment do presidente. Que isso reflita o estado de degenerescência política e moral do atual governo não há dúvidas. Que haja razoabilidade ou pertinência jurídicas, também. Afinal, a Constituição capitula como crimes de responsabilidade, entre outros, os atos que atentem contra "o livre exercício do Poder Legislativo", contra "o exercício dos direitos políticos" e contra "a probidade na administração" (art. 85, II, III e V). Por sua vez, a Lei 1.079/50, que regulamenta a matéria, lei essa recepcionada (novada) pela Constituição, prevê, como crime de responsabilidade contra o livre exercício do Poder Legislativo, "...coagi-lo (algum representante da nação) no modo de exercer o seu mandato bem como conseguir ou tentar conseguir o mesmo objetivo mediante suborno ou outras formas de corrupção" (art. 6º, 2); como crime de responsabilidade contra o exercício dos direitos políticos, "impedir por violência, ameaça ou corrupção, o livre exercício do voto" (art. 7º, 1); e, como crime de responsabilidade contra a probidade na administração, "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo" (art. 9º, 7).

Entretanto, não basta para iniciar um procedimento de impeachment apenas razoabilidade ou pertinência jurídicas. Atendendo à natureza própria do procedimento por crime de responsabilidade, de caráter antes político-jurídico do que técnico-jurídico, há de se levar em conta ponderáveis circunstâncias políticas.

O atual governo preserva-se como referencial, pelo menos simbólico, para amplas camadas da população, em geral as mais empobrecidas, e para importantes setores organizados da sociedade civil. Demais, qual credibilidade e legitimidade tem a atual oposição, seus principais partidos e lideranças, para protagonizar pedido de impeachment? Diferenciando-se também do quadro de 1992, quando do impeachment do presidente Collor, que alternativas, em matéria de projetos, oferece a oposição para o país? Por isso mesmo, ela tem preferido e priorizado a alternativa da violência verbal, num discurso sem consistência e conseqüência programáticas. A ser assim, a proposta de impeachment torna-se mero jogo político sem maior compromisso com a estabilidade das instituições políticas e com a perspectiva necessária de mudanças para o país.


Publicado no Jornal Zero Hora de 16/11/2005

Nenhum comentário: