quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Ações afirmativas e política de cotas

"Somos sociedade de castas antes de sermos sociedade de classes, pois o nascimento - branco ou não-branco - determina a posição do indivíduo na sociedade. A ação afirmativa no Brasil deverá visar à inclusão dessa imensa massa." (Décio Freitas - ZH de 22/06/2003)

O Brasil sempre se orgulhou no Exterior de ser uma democracia racial. Este foi o principal óbice para criar políticas de ações afirmativas. Pois se não havia racismo, por que criar cotas para negros, por exemplo? Sempre afirmei, e continuo com esta convicção, que o Brasil só crescerá de verdade quando enfrentar de vez a questão racial. Uma das ferramentas para tanto são políticas públicas de ações afirmativas.

As elites detêm o poder no Brasil desde o descobrimento. O negro escravo era visto como mercadoria. Um bem móvel. Uma coisa. O argumento dos antiabolição registrava que estavam querendo retirar o principal patrimônio dos fazendeiros. Um país que apoiou por séculos a discriminação tem agora o dever de tentar compensar o erro criando condições de igualdade a todos, por meio de ação positiva do Estado.

Filio-me à corrente de que não existe opinião pública, mas opinião do que se publica. Algumas vezes manipula-se, distorce-se a informação com propósito definido. Manter a atual situação, em que o negro não consegue ingressar na universidade e por isso não se qualifica e logicamente não consegue bons empregos. O privilégio de que as elites dispõem desde o descobrimento quer a manutenção do status quo.

A elite social, econômica, política, ao longo do tempo, só gerou belos discursos e ainda se apropriou dos frutos dos trabalhos dos escravos e impediu-os de sequer criar aspirações maiores.

As políticas afirmativas em relação a universidades têm de vir casadas com a possibilidade de cotas também nos empregos, concursos públicos.

A inspiração vem no direito comparado a países que enfrentaram situação idêntica, como África do Sul, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos - John Fitzgerald Kennedy, na década de 60, decretou que 12% das vagas nas universidades ficassem reservadas para negros. Correspondia à exata proporção da população negra na sociedade americana.

No Brasil, já existem outras medidas positivas discriminatórias, como por exemplo, o Imposto de Renda Progressivo (art. 145, §1º), a lei que ampara os deficientes físicos (art. 37, VIII) nos concursos, a defesa dos povos indígenas (art. 231 ss) e a proteção da mulher mediante incentivos específicos (art. 7º inciso XX). Todos da Constituição Federal.

As cotas não são uma discriminação às avessas e, sim, uma forma positiva de diminuir o fosso enorme da desigualdade social.


ANTONIO CARLOS CÔRTES/ Advogado
Porto Alegre, 15 de fevereiro de 2006.
Jornal Zero Hora - Edição nº 14785

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