segunda-feira, setembro 25, 2006

Veja, um panfleto tucano

VALTER POMAR
Veja, um panfleto tucano

A edição 1975 da revista Veja é um caso típico de "liberdade de empresa": não se trata de uma revista, não se trata de jornalismo, se trata apenas de um panfleto eleitoral a serviço do candidato preferido dos proprietários da editora Abril.



Um panfleto, não: 1.252.978 panfletos!

A começar pela capa, que traz uma ilustração onde Lula tem os olhos encobertos pela faixa presidencial. Ou seja: o presidente que nada vê.

A "Carta ao leitor" faz uma síntese das principais teses da revista, a saber: a eleição presidencial ocorrerá sob a sombra de um escândalo cuja conseqüência mais trágica poder ser até a anulação do resultado das urnas.

Repetimos: uma semana antes da eleição presidencial, a revista semanal de maior circulação do país informa aos seus leitores que Lula, se ganhar, pode não levar.

A "Carta ao leitor" do editor de Veja afirma, também, "duas certezas":

a) "a primeira delas é que o PT é hoje uma agremiação em frangalhos, sem credibilidade, resultado de um processo de autodestruição ética";

b) "a outra certeza é que, desta vez, a crise não poderá ser contida nos círculos eminentemente políticos" (...) "A negociata que redundou no ‘dossiegate’ é objeto de um processo conduzido pelo TSE que poderá, em última instância, levar até a impugnação da candidatura de Lula ou à cassação de seu diploma de presidente, caso seja reeleito".

A base para esta segunda certeza é que, segundo Veja, "o candidato é o responsável por todas as ilicitudes financeiras cometidas por seu comitê de campanha. À luz da lei eleitoral não adianta alegar que não sabia ou que afastou o companheiro depois do crime cometido".

Algumas páginas depois, a seção Radar, editada por Lauro Jardim, dedica várias notas a atacar o PT e Lula. Uma destas notas diz que "os planos de Lula de tentar reconquistar a classe média na reta final da campanha escorreram definitivamente pelo ralo", afirmação que contrasta com todas as pesquisas divulgadas até sexta-feira, nas quais Lula liderava em 9 dos 10 grupos de renda em que se divide a população brasileira.

Veja sabe disto, é claro. Portanto, a nota da seção Radar não é uma constatação sobre Lula, é uma orientação para Alckmin: se quiser crescer, o candidato tucano-pefelista tem que reconquistar os setores médios, que apesar do esforço de quase toda a mídia brasileira, seguem apoiando majoritariamente a candidatura Lula.

A artilharia grossa começa mesmo na página 58 da revista e se estende até a página 88. É tanta munição, que Veja se dá ao cuidado de oferecer aos leitores um índice, que diz o seguinte: 60, "os buracos negros"; 70, "Freud e as malas"; 72, "a costela de Lula"; 74, "mais um que nada viu"; 76, "o dinheiro é a chave"; 80, "pior que Watergate", 84, "ataque a democracia"; 86, "entrevista com Célio Borja".

A técnica editorial é clara: da página 60 até a página 79, Veja faz um noticiário policial, para convencer o leitor que o PT é uma quadrilha. Quando o leitor foi hipnotizado por esta tese, Veja apresenta as opiniões de Marco Aurélio Mello e de Célio Borja sobre o caso.

Nenhum contraditório, nenhum contraponto. Estamos diante de um panfleto eleitoral, não de jornalismo sério, mesmo que de direita.

A seguir, analisaremos o que diz o "abre" deste "dossiê" apresentado por Veja; veremos o que é dito nas páginas policiais; e nos concentraremos na análise das posições "jurídicas", que constituem o núcleo central da argumentação da revista.

Crime sem cadáver

Veja começa seu "abre" com duas afirmações, mais que capciosas, mentirosas: "Com seus métodos criminosos, o PT lançou o país em uma grave crise política".

Há uma pré-condição para que Veja pudesse ter razão, a saber, que aceitássemos a seguinte tese: se importantes dirigentes de um partido cometem um crime, isso converte em criminoso todo o Partido.

Por exemplo: como o presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo, cometeu um crime, logo todos os tucanos são criminosos.

Para que uma coisa implicasse na outra, seria preciso que o conjunto do partido, ou pelo menos suas instâncias de direção, tivessem decidido cometer o tal crime; ou, tendo tomado ciência dele, não tivessem feito nada.

No caso do PSDB, foi isso que aconteceu, fato admitido pelo ex-presidente FHC, na carta que dirigiu aos militantes tucanos.

Mas no caso do PT, não é isso que tem acontecido: todos os acusados de irregularidades (portanto, não necessariamente de crimes julgados e comprovados) têm sido punidos, ora com demissão do governo, ora com afastamento do Partido ou de suas funções.

Portanto, não é verdade que os métodos do PT sejam criminosos. Tampouco é verdade que o PT tenha lançado o país em uma grave crise política.

Quem pode e ao que tudo indica deseja lançar o país em uma grave crise política é a campanha tucano-pefelista, que está questionando o registro e a posse de Lula.

É isto que pode gerar uma crise política, não o surgimento de um dossiê anti-Serra.

Seria diferente, é claro, se as instituições de Estado fossem utilizadas para realizar e/ou acobertar uma operação contra uma candidatura.

Isto aconteceu em 2002, em benefício da candidatura Serra. Naquela ocasião, para quem não se lembra, a Polícia Federal realizou uma operação que matou no nascedouro a candidatura de Roseana Sarney.

Agora, ao contrário, foi a própria Polícia Federal que interceptou e prendeu os envolvidos na divulgação de um dossiê contra Serra.

Há quem diga, é verdade, que um hipotético serviço de inteligência da candidatura Serra teria detectado, infiltrado e manipulado a situação, em seu próprio favor.

Há quem diga, também, que o procurador que atuou a favor de Serra, em 2002, é o mesmo que hoje acompanha o caso, assumindo posições contra o PT.

Trata-se do procurador Mário Lúcio Avelar, atuante nos casos Lunus, sanguessugas e dossiê. Em março de 2002, este procurador deu uma entrevista para a Folha de S. Paulo, dizendo o seguinte: "Gente, querem dizer que isso é do Serra? Então escreve: sou o procurador do Serra".

Seja como for, o fato é que as instituições de Estado não estão a serviço da candidatura do presidente da República. Se há aparelhamento de alguma instituição estatal a favor de alguma candidatura, não é a favor de Lula.

Vejamos, agora, se o mérito da questão justificaria falar em "grave crise política".

Um grupo de petistas tentou "influir nos resultados do pleito estadual paulista", negociando com os Vedoin a divulgação de informações sobre a atuação da quadrilha, na época de Serra, Barjas Negri e FHC.

Deixemos para a Polícia e para a Justiça definir e provar se este grupo de petistas cometeu algum crime. Deixemos para as instâncias partidárias definir que punição este grupo merece por ter feito o que fez, sem conhecimento ou autorização de nenhum tipo. E vamos nos concentrar no erro político.

O erro político é, em essência, o mesmo que nos levou a crise de 2005: a adoção dos métodos utilizados pelos adversários.

Desde o caso Waldomiro Diniz, a direita brasileira tenta nos derrotar através do "denuncismo". Não conseguiu. Tentar utilizar o mesmo método, para derrotar uma candidatura a governador da direita, é não perceber que não é isto que determina o voto da maioria da população. Ademais, utilizar os mesmos métodos é, nas palavras de Lula, se envolver com bandido. O que já ficou comprovado, inclusive em 2005, que não dá certo.

É claro que a quadrilha dos Vedoin atuava no ministério da Saúde, na época de Serra, Barjas Negri e FHC. Mas não seria um dossiê supostamente comprovando isto que iria decidir a eleição de São Paulo. Entre outros motivos, porque o envolvimento entre os tucanos e os Vedoin é algo público.

A quadrilha dos Vedoin começou a atuar no governo FHC e foi desbaratada no governo Lula.

É verdade que parte da imprensa minimiza os vínculos Serra-Barjas Negri-Abel Pereira/Vedoin. Veja, por exemplo, chega ao requinte de não tratar do conteúdo do tal dossiê, dizendo tratar-se de um "pacote fajuto, sem relevância". Para utilizar sua linguagem policial, eles falam do crime, mas não mostram o cadáver.

Golpismo sem caráter

A revista Veja tem seus momentos de surrealismo, por exemplo, quando diz que se ocorrer a impugnação da candidatura Lula, "o PT terá feito algo inédito em sua rica trajetória de delinqüências. O próprio partido de Lula terá conseguido impedir a manifestação da vontade popular dos brasileiros".

Ou seja, no mundinho de Veja, a culpa por tentar "melar" as eleições seria do PT!!!

Neste mundinho, movimento sociais constituiriam uma ameaça à democracia, que seria defendida por gente como os presidentes dos clubes militares, que em manifesto divulgado recentemente afirmam que "a corrupção não é somente um ilícito do qual se beneficiam pessoas e grupos, mas sim algo que se transformou em meio de conquista e manutenção do poder"; que "a sensação é de perigo iminente à Democracia"; e que as próximas eleições seriam um "instrumento à disposição do povo brasileiro para o saneamento da vida política nacional".

Para compreender a maneira como Veja constrói suas teses, precisamos lembrar que ela não utiliza técnicas jornalísticas, mas sim uma dogmática de tipo religioso, em que aceito um determinado axioma, se conduz a uma inevitável conclusão

O axioma fundamental, no caso, é a "rica trajetória de delinqüências" do PT. Ou, como é explicado numa outra frase do "abre", haveria uma "delituosa sopa primordial", composta pelo "desgoverno", pela "colonização do aparelho de estado por militantes petistas contaminados pela notória ausência de ética e moral da esquerda quando esquadrinha a chance de chegar ao poder –e, depois, de mantê-lo a qualquer custo".

Notem os termos: "colonização" e "contaminados". A imagem é clara: os petistas são bactérias ou vírus. Doença, enfim. O discurso anti-petista de Veja foi extraído diretamente dos manuais de propaganda anti-comunista dos anos 1950.

No mundinho de Veja, um petista é por definição um doente e criminoso, sem ética nem moral. O raciocínio é fascista, pois sua conclusão lógica é: exterminem o mal.

Mas para exterminar o mal, há um problema: Lula, segundo as pesquisas de opinião, é apoiado por cerca de metade do eleitorado. Logo, nada melhor do que jogar o PT contra Lula: a culpa pela impugnação da candidatura de Lula seria do seu próprio partido.

Para que esta história tenha credibilidade, é preciso hipnotizar as pessoas, convencê-las de que o PT é uma organização criminosa, com uma "rica trajetória de delinqüências".

Daí a necessidade, imperiosa e inescapável, de defender o PT. Quem quer defender Lula das teses expostas por Veja, tem que defender o PT. Quem imagina defender Lula, jogando o PT às feras, está prejudicando a candidatura de Lula.

Pois, nas palavras de Veja, "sobre essa delituosa sopa primordial paira a figura complacente do presidente". Aceita esta tese, o resto é "sopa" para a direita.

Uma revista canalha

Entre as páginas 60 e 79, Veja faz seu noticiário policial. Todo ele é construído de forma a estabelecer vínculos entre Lula e os envolvidos na negociação do dossiê com os Vedoin.

Vamos por partes. Mostrar vínculos de petistas com outros petistas é, convenhamos, arrombar porta aberta. Outra coisa é demonstrar que tenha havido uma cadeia de comando, ou seja, que a ordem de negociar o dossiê tenha partido do comando da campanha, do comando do PT ou do candidato.

Como Veja não consegue fazer isso, ela constrói seu noticiário policial em torno de duas pilastras bastante pueris: "se um amigo faz algo, outro amigo necessariamente sabe disso"; "se um amigo faz algo, outro amigo é culpado por osmose". Qualquer semelhança com a fábula do lobo e do cordeiro, ou com a legislação nazi-fascista, segundo a qual os familiares pagavam pelos delitos de seus parentes, não é mera coincidência.

Frente ao fato de que Lula negou qualquer envolvimento no episódio, lembrando entre outras coisas que a ele não interessaria criar marola, numa eleição praticamente ganha, Veja responde o seguinte:

"1.um dossiê devastador contra José Serra interessaria ao PT em São Paulo. Seria ótimo para Lula ter um governador petista em São Paulo em um segundo mandato."

"2.Disparar um tiro de morte contra Serra significaria exterminar praticamente todo o PSDB em nível nacional"

"3.´Melar´ o processo eleitoral não interessa a nenhum democrata, mas sobre esta questão seria mais útil perguntar aos seus colaboradores íntimos, que entraram na fria de comprar um dossiê com dinheiro sujo".

As respostas de Veja apelam para silogismos.

É óbvio que derrotar Serra interessa ao PT e a Lula. Mas isto não prova nada. Apenas indica que, em tese, haveria motivos. Mas, se havia motivos agora, havia muito mais motivos em 2002 e noutras circunstâncias. E nunca o PT ou Lula lançaram mão deste tipo de expediente.

De toda forma, o silogismo tem algo útil, pois revela a pedra de toque de toda a argumentação jurídica que será exposta mais adiante: "comprar um dossiê com dinheiro sujo".

Em tese, elaborar um dossiê não é crime; divulgar um dossiê não é crime; e comprar um dossiê tampouco é crime. Crime, neste caso todo, haveria se: as informações contidas no dossiê fossem caluniosas, difamatórias ou infamantes; e/ou se o dinheiro utilizado tivesse origem ilícita.

Segundo o pouco que circulou na imprensa a respeito, tudo indica que as informações contidas no dossiê estão muito longe de ser "fajutas". Sendo assim, o único crime passível de condenação está na origem do dinheiro.

Ocorre que até agora, sábado 24 de setembro, a questão da origem do dinheiro é nebulosa. Portanto, resta a Veja criticar a suposta "morosidade" da PF em descobrir a origem do dinheiro; e arrebentar com a biografia dos envolvidos na negociação, passando assim impressão que está resolvido e provado algo que não está resolvido nem provado.

Vejamos o caso de Freud Godoy, por exemplo. Ninguém acredita que ele tenha qualquer envolvimento no caso. Veja sabe disto. Por isto a matéria sobre ele não trata do caso dossiê, mas sim de serviços prestados pela Caso (empresa de segurança de que Freud era proprietário) ao PT, na segurança do então tesoureiro Delúbio Soares.

O raciocínio implícito é: se Delúbio mexia com dinheiro sujo e se a empresa de Freud fazia a sua segurança, logo Freud mexia com dinheiro sujo, logo ele tem culpa.

Freud Godoy é apresentado como "personagem capital do submundo petista". Jorge Lorenzetti é tratado como "churrasqueiro do presidente" e "babá" de sua filha. Quem recebe o tratamento mais cruel, entretanto, é Hamilton Lacerda.

Lacerda sofreu um acidente de carro, quando ia para um congresso da UNE, onde provavelmente teria sido eleito presidente da entidade. No acidente, Hamilton perdeu um dos olhos. Pois a canalha da Veja o trata assim: "Pois é, o Pirata da Perna de Pau também perdeu uma perna, tinha um olho de vidro, mas continuou pirata". Como se vê, esta revista canalha não tem limites.

Um juiz loquaz

Perguntado por qual motivo não dava entrevistas, um famoso juiz disse: "eu falo através dos autos". Outros juízes pensam diferente: é o caso de Marco Aurélio Mello, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Em entrevista concedida à imprensa, logo depois de receber a visita de Tasso Jereissatti e de Jorge Bornhausen, o juiz Marco Aurélio Mello declarou que o "caso do dossiê antitucano" é pior que o caso Watergate.

Para bom entendedor, meia-palavra basta: se o presidente do TSE acha isto, então Lula correria o risco de ser eleito, empossado e depois enfrentar um processo de impeachment, a exemplo de Richard Nixon, responsável pelo caso Watergate.

Esta declaração pode servir de base para que seja solicitado seu impedimento no eventual julgamento do assunto.

Aliás, quando o primo de Marco Aurélio, Fernando Collor de Mello, foi destituído da Presidência pelo Congresso e submetido a processo criminal no Supremo,o próprio Marco Aurélio, como se esperava, absteve-se de participar do julgamento, considerando-se impedido pelas razões de parentesco.

O mais importante, entretanto, é que o juiz está errado.

No caso Watergate, ficou provado que o presidente dos EUA, Nixon, obstruiu com mentiras e destruição de documentos a investigação de um caso de arrombamento e sabotagem devidamente caracterizado. No caso do dossiê Serra/Vedoin, as instituições do governo estão na vanguarda das investigações, tendo todo o apoio e o estímulo do presidente.

Noutras palavras, a comparação é inadequada e incorreta historicamente. Seu único propósito é eleitoral, pois sugere que Lula, reeleito, governará com uma espada sobre sua cabeça.

Mas vamos ao núcleo da coisa: segundo a revista Veja, a coligação PSDB-PFL afirma que Freud Godoy, Gedimar Passos e Ricardo Berzoini, cometeram crimes de "abuso de poder econômico ao utilizar dinheiro não contabilizado para fins eleitorais". Márcio Thomaz Bastos é acusado de "abuso de poder político, ao não permitir a divulgação da imagem deste dinheiro". E Lula é acusado de "principal beneficiário dos dois supostos ilícitos eleitorais (de abuso de poder econômico e de abuso de poder político, ambos previstos em lei complementar à Lei de Inelegibilidades) e porque sua situação se enquadraria no seguinte parágrafo do artigo 30-A da Lei Eleitoral".

O segundo parágrafo do artigo 30-A da Lei Eleitoral diz o seguinte: "comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

Veja explica, didaticamente, que o processo demora no mínimo 30 dias. Portanto, não terá sido concluído antes do primeiro turno e dificilmente será concluído antes do segundo turno. Logo, diz Veja, Lula pode ser eleito (no primeiro ou no segundo turno) e "não poderá ser diplomado presidente e ficará inelegível por três anos Novas eleições serão convocadas". Ou, se a decisão do TSE vier depois da posse, Lula "terá o seu diploma cassado e não poderá exercer mais a presidência".

Além do TSE, Veja fala da possibilidade de uma CPI e de um processo de impeachment. Noutras palavras: o que eles não tiveram coragem ou disposição de fazer, em 2005, talvez porque achassem que ganhariam na eleição, eles parecem estar dispostos a tentar agora, ou porque acham que assim nos derrotam ou exatamente porque acreditam que eleitoralmente não há como nos derrotar.

Veja lembra que não há "prazo máximo" para o TSE tomar tal decisão. Ela "pode sair, inclusive, depois que Lula tiver terminado um eventual segundo mandato". Veja lembra também que Lula poderia recorrer ao STF, que poderia conceder o efeito suspensivo da sentença, até que o mérito da questão fosse a julgamento. Noutras palavras, seria uma espada sobre a cabeça de Lula.

Veja apresenta com total desfaçatez o plano: "Lula, obviamente, também pode ser absolvido no processo do TSE. Mas, se eleito, assumirá um governo que dará largada sob o peso de um monumental passivo ético –resultado da soma de escândalos que pontuaram toda a segunda metade do seu mandato". Ou seja, a expressão "transitou em julgado" não existe, quando se trata do PT. Mesmo que o TSE absolva Lula, aos olhos de Veja ele seguirá culpado.

Numa versão moderna do "comunista bom, é comunista morto", Veja introduz o "petista bom, é petista preso".

Na opinião de Veja, o segundo governo Lula terá portanto enormes dificuldades. O subtexto é evidente: melhor não votar neste senhor. E melhor, para o país, que ele seja afastado, o mais rápido possível. Se não pelo voto, por uma decisão judicial encampada pelo senhor Mello.

Para digerir melhor a trama

As últimas matérias que integram o dossiê de Veja são como um "licor", oferecido aos leitores da revista para digerir com mais facilidade o que foi servido nas páginas anteriores.

Uma das matérias fala dos grampos telefônicos descobertos em telefones do TSE. Veja insinua, de maneira nada sutil, que o PT poderia estar por trás disto. Curiosamente, a própria Folha de S.Paulo de 24 de setembro informa que há grande possibilidade de não ter havido grampo, mas sim um erro da empresa que fez a varredura!!!

Outra matéria é uma entrevista com Célio Borja, que afirma termos "perdido o sentido da civilização" e acusa o PT de não ter mais "nenhum limite (quanto) aos meios". A entrevista é curiosa, pois nela Célio Borja critica a "tolerância" das pessoas frente aos "pecadilhos no passado". Vindo de alguém que foi deputado pela UDN, em 1964; e que foi ministro da Justiça de Fernando Collor de Mello, não deixa de ser um raciocínio digestivo...

Mas digestiva mesma é a coluna de André Petry, intitulada "Um domingo espanhol". Segundo Petry, a diferença entre um bordel e um país é que num pais, quando o "eleitorado percebe que está sendo vítima de manipulação", usa as urnas para mandar seu recado.

Isto teria ocorrido na Espanha, quando o governo conservador de José Maria Aznar tentou manipular eleitoralmente, a seu favor, o atentado ocorrido em Madri. A manobra ficou evidente e José Luiz Rodríguez Zapatero, do Partido Socialista Operário Espanhol, ganhou as eleições.

Perfeito a analogia. Resta saber quem está manipulando o quê. A começar pelo episódio em si, onde está ficando cada vez mais claro que os tucanos tinham conhecimento da negociação entre os Vedoin e um grupo de petistas. Mas principalmente devido à cobertura da imprensa.

Como Petry, esperamos que o primeiro domingo de outubro seja espanhol. E que eleja um presidente de esquerda, contra a manipulação da direita.

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