quarta-feira, janeiro 24, 2007

Brasil, ricos, pobres, computadores,...

O ótimo texto abaixo é parte de uma discussão sobre o preço de computadores Macs no Brasil:



Muito bom saber que tu faz parte dos ricos do Brasil, deve comer
caviar todos os dias, para chamar outras pessoas de chinelo.
Então eu vou me considerar chinelo, como tu mesmo disse, prefiro bucho
cheio do que aparelhos eletronicos.

Pior do que isso foi um amigo meu que, noutro dia, disse que, a partir
do momento em que passou a aceitar que o Estado lhe cobre os impostos
para executar obras e projetos, "lava as mãos". É quase inacreditável
que alguém como ele, uma pessoa honesta e que se f... todo dia pra
garantir o seu sustento, acredite em "seleção natural" e que é mais do
que normal e aceitável a existência da fome, da miséria, da ignorância
e da guerra. Desde que não o atinja, o problema não é dele...

...Pra completar, o cara disse o mesmo que, quando eu era piá, um
vizinho filho de dono de joalheria também dissera: "se não houver
pobres, quem é que vai lavar o meu carro? Quem é que vai fazer faxina
na minha casa?" Para ele, é fundamental que nem todo mundo possa
estudar o suficiente.

Sem agressão, sem generalizar e sem ofensa, sei que, pela origem, o
Atsu e o Régis pensam parecido: eles não aceitam que um povo precise de
um impulso para comer quando têm o exemplo do Japão, que reergueu-se e
se modernizou após a II GM, etc.

Contudo, o Japão não tinha coronelismo. O Japão não herdou uma dívida
externa desde a época em que serviu de bucha de canhão para os ingleses
destroçando o Paraguai em 186 e lá vai pedrada. A origem aristocrática
e também empresarial brasileira sempre foi corrupta. Os raros países de
"1º Mundo" que tiveram origem colonial foram colônias de povoamento e
não de exploração. Os ricos desses países começaram fomentando o
mercado interno para gerar consumo ao invés de venderem "tudo até a
última ponta" para outros países.

O Brasil tem 68% de analfabetos funcionais, isto é, de pessoas que só
enxergam as palavras, mas não conseguem ler uma frase ou um parágrafo
sequer compreendendo o contexto nem o conteúdo completo da mensagem.
Pois apenas sete famílias e seus patrocinados emitem juízo de valor na
mídia de massa, mandam no Congresso porque estão ao lado dos banqueiros
e dos latifundiários e induzem as pessoas a acreditar não em como as
coisas são mas, sim, naquilo que fará com que esses donos do poder
sigam ganhando cada vez mais.

Quem não compreende que nós somos ultrahiperultrasupermega
privilegiados, precisa ir até a Ilha dos Marinheiros ou atravessar o
Brasil de ônibus pra conhecer a verdadeira realidade da maioria do povo
brasileiro.

Qualquer pessoa que tenha três refeições por dia, água, luz, telefone,
internet discada, grana pra pagar o aluguel (não digo nem prestação da
casa própria), tenha completado o 2º grau com supletivo, more na
periferia e tenha um carro usado, por mais que se mate estudando e
trabalhando pra ganhar seus R$1.000,00 (se tanto), tem condições de,
com seu livre arbítrio, evoluir.

Quem não tem isso garantido, quase não tem perspectiva. É aí que entra
o papel do serviço voluntário: um professor de português que se
disponha a alfabetizar 20 pessoas 2h/semana vai fazer uma diferença
absurda na vida dessas pessoas. Um professor de inglês fará uma
diferença maior ainda. Pra alguém que é espancado pelos pais, ou que vê
o pai fugir de casa, ou que precisa cuidar dos irmãos pequenos, uma
aula de capoeira, de basquete, de futebol, faz toda a diferença. Uma
aula de internet ou de Office num telecentro da prefeitura pode
transformar uma faxineira em uma secretária com perspectiva de fazer
uma faculdade.

Conheço 16 Estados deste país. Não fiz viagem de hotel, de pacote
turístico. Nas vezes em que viajei a trabalho, não me contentei em
ficar apenas entre o escritório e o hotel, muito menos em visitar
apenas aquele restaurante, aquele shopping, aquele bairro de casas
bonitas. E eu converso com as pessoas. Não com o engravatado, mas com o
cara que varre a calçada, com quem está na fila do ônibus, com quem
senta do meu lado no metrô.

O brasileiro não é preguiçoso. O brasileiro não é vagabundo. O
brasileiro trabalha, sim, e muito! Quem sobe e desce o morro, pega
ônibus lotado, carrega um isopor enorme de sanduíche e tem que ouvir
desaforos com um sorriso na cara levando sol na paleta o dia inteiro
não põe sequer o dedão do pé na água do mar.

O importante é as pessoas receberem carinho para ser educadas e
sensíveis; ser respeitadas para respeitar; ter alguém que mostre a elas
as opções de ofício disponíveis e que as ajude a encontrar a sua
autêntica vocação. Ter o que comer, ter onde morar, ter acesso a saúde
e educação.

Todo país supostamente desenvolvido já tinha isso séculos antes de
chegar ao estágio atual.

E eu não troco o espírito latino-americano por nenhum outro neste mundo.
__________________________________
[]'s,
Helio Sassen Paz - Porto Alegre/RS - Brasil


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