segunda-feira, setembro 25, 2006

Lula não é Nixon, Mello não é Bob Woodward

ÉLIO GÁSPARI


Reproduzido do Folha de São Paulo

O presidente Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marco Aurélio de Mello, precisa conter a devoção que tem pela voz do doutor Marco Aurélio de Mello. Sua comparação das malfeitorias petistas com o caso Watergate é curiosa para um cidadão, impertinente para um magistrado, absurda para o presidente de um tribunal eleitoral.

Numa entrevista aos repórteres Luiz Orlando Carneiro e Tales Faria, o ministro produziu uma salada. Perguntaram-lhe se via "semelhanças" entre os dois casos e ele disse:

"Não, não vejo.... É algo muito pior! Não há comparação. Aquela escuta foi realmente muito terrível. Mas, agora, o que temos é uma somatória de desvios de poder."

Se o ministro acredita que o caso do PT é realmente "muito pior", mistura duas equipes de tabajaras, uma americana e outra brasileira, associando um episódio passado (a renúncia do presidente Richard Nixon) e uma crise recente (o envolvimento de Lula nas malfeitorias petistas).

A associação é capenga. Nixon encrencou-se quando dois assessores testemunharam que havia usado a Presidência para obstruir o trabalho da Justiça. Foi a pique quando teve que entregar as fitas das gravações clandestinas que fazia no Salão Oval. (Ele não foi o primeiro. O grampo presidencial tornara-se rotina nas reuniões de John Kennedy e nos telefonemas de Lyndon Johnson.)

Há uma diferença essencial entre o Watergate e as malfeitorias petistas: ninguém provou (ainda) que Lula obstruiu investigações policiais ou a ação da Justiça. A idéia de "pior" sugere um nível de malfeitoria que não chegou (ainda) ao campo das provas. O que vem a ser um "desvio de poder", não se sabe, mas até onde a vista alcança, se alguém cometeu desvios foi o doutor Ricardo Berzoini com seu dispositivo de mídia.

Uma das boas coisas da vida para colunistas e redatores é a construção de vinhetas históricas comparando alhos com bugalhos. (A nota aí de baixo é um exemplo disso.) Quando o presidente do Tribunal Superior Eleitoral entra nesse tipo de exercício, a Justiça perde. Os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein achavam que o caso Watergate era "muito pior" do que se pensava, mas eram repórteres, não eram magistrados.

Enquanto a ministra Ellen Gracie estiver na presidência do Supremo, bem que se poderia criar um sistema de cotas verbais: todos os ministros podem falar quanto quiserem fora da Corte, desde que não ultrapassem em dez vezes o tamanho das falas da presidente. Como ela raramente excede duas frases por semana, ficaria tudo mais simples.

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